Carta à mulher do meu futuro, de Péter Gárdos


Ficha técnica
Título – Carta à mulher do meu futuro
Autor – Péter Gárdos
Editora – Alfaguara
Páginas – 224
Datas de leitura – de 27 a 29 de agosto de 2016

Opinião
Tal como nos diz uma citação que surge na contracapa, este livro traz-nos “uma das mais belas histórias de amor da História da Literatura”. Uma história de amor belíssima e repleta de estoicismo, de dois jovens húngaros, judeus, que sobreviveram às barbaridades perpetradas pelos nazis e que se querem desesperadamente agarrar aos frágeis fios que compõem o seu presente.
Muitos anos mais tarde, o fruto da união desses jovens compreenderá que tem que partilhar com o mundo as mágicas e incríveis artimanhas empreendidas pelos seus progenitores para poderem estar juntos.
Após a leitura da sinopse, ninguém consegue ficar indiferente à determinação de Miklós que, pouco tempo depois de ter chegado como refugiado às paisagens geladas da Suécia, envia uma carta a cada uma das 117 húngaras a viver também em campos de refugiados suecos. Quer a todo o custo encontrar o amor da sua vida e pressente que o encontrará numa dessas jovens.
Lili não é a única que lhe responde. Mas é ela que Miklós procura. É ela que fala diretamente ao seu coração e será com ela que manterá uma acesa correspondência epistolar, entre setembro de 1945 e fevereiro de 1946.
Tudo o que rodeia e preenche esta verídica história de amor é maravilhosamente mágico, sobretudo se pensarmos que quem a protagoniza são dois sobreviventes de um dos piores conflitos bélicos de todos os tempos. Foi por tais razões que não hesitei em colocar esta obra na minha wishlist mal soube da sua existência. Contudo, agora que li de fio a pavio não consigo não sentir-me algo defraudada… Se o conteúdo é sumarento, doce e de derreter na boca, à forma falta-lhe alma…
O autor, filho dos protagonistas, é realizador de cinema e encenador. Não é escritor. Não possui, na minha opinião, o engenho e a arte que fazem desabrochar algo que à partida é prometedor em algo literário, poético, capaz de seduzir e subjugar o leitor. O seu estilo é muito objetivo, jornalístico, insonso e, como tal, fez-me progredir na leitura como se estivesse a ler uma reportagem. Pouco ou nada sorri, a empatia com Miklós ou Lili foi insuficiente e fui avançando, página após página, em busca de algo que verdadeiramente me fizesse embarcar na sua história… Infelizmente não o encontrei…
Não posso afirmar que não tenha gostado da obra. Estaria a mentir se o dissesse. Mas gostei como quem gosta daqueles filmes de fim de semana que se repetem até à exaustão em determinados canais. Dou-lhes atenção quando estou sentada no sofá e, depois de um interminável zapping, não há nada que me agarre. Vejo-os porque tenho que ver alguma coisa…
Sendo assim, não sei se recomendo esta leitura. É agradável, mas poderia ser deliciosa. A história de amor de Miklós e Lili merecia ser temperada com mais sal e outros condimentos que a transformassem numa leitura do ano… Ficou em mim algum desapontamento…

NOTA – 06/10

Sinopse

Em Julho de 1945, depois de sobreviver ao campo de concentração de Bergen-Belsen, Miklós, um jovem húngaro de vinte e cinco anos, é enviado para um campo de refugiados na Suécia. Pele e osso, desdentado, doente, o médico dá-lhe poucos meses de vida. Mas morrer depois de sobreviver a uma guerra não está nos planos de Miklós.
Ele não se sente sozinho. Sabe que há 117 mulheres da sua terra a viver em campos de refugiados na Suécia. Ignorando a sentença de morte da febre que o atormenta todas as manhãs, envia uma carta a cada uma delas. Alguma haverá de sucumbir à sua veia poética e sedutora caligrafia.
A centena de quilómetros, Lili responde. Assim começa uma história de amor redentora e inesquecível entre dois sobreviventes que eram também sonhadores.
Baseada na história real dos pais do autor e narrada a partir das cartas trocadas entre os dois, o romance de Péter Gárdos relembra-nos que o amor é uma força de vida, capaz de vencer a própria morte.

A casa quieta, de Rodrigo Guedes de Carvalho


Ficha técnica
Título – A casa quieta
Autor – Rodrigo Guedes de Carvalho
Editora – Publicações Dom Quixote
Páginas – 264
Datas de releitura – de 22 a 26 de agosto de 2016

RELEITURA

Opinião
Entramos numa casa quieta. Entramos numa casa quieta pela morte de alguém que amamos. Alguém que já não pressente a nossa chegada, que já não atravessa o corredor para perguntar-nos como é que correu o nosso dia, alguém que já não preenche um vazio permanente.
Vivemos numa casa quieta. Com divisões a mais. Com quartos habitados apenas por tralha inútil mas que resistimos em deitar fora e que se encontram sempre com as portas fechadas. Uma casa onde se ouve o silêncio e os ruídos do exterior – a chuva a cair, um autocarro que passa. Uma casa que nunca estremeceu com os gritos, as birras, a balbúrdia e o entusiasmo contagiante das crianças, dos filhos.
Crescemos numa casa quieta. Crescemos subjugados pela presença dominadora e autoritária de um progenitor que governou a sua vida e a dos seus segundo planos, normas e rotinas meticulosamente traçados.
Almejamos que, a partir de hoje, a nossa existência seja como uma casa quieta, silenciosa, muda, que conserve em divisões bem trancadas um passado de desilusões, de sofrimentos, de medos, de desalentos, de desânimos e que nos resguarde perante um presente de prostração, desistência, abandono, no qual as palavras, os diálogos são desnecessários, escusados.
Sou fã assumida de Rodrigo Guedes de Carvalho e esta é a segunda obra sua que releio (ver aqui a opinião da releitura de Daqui a nada). Sabia de antemão que iria voltar a encontrar um estilo muito pessoal, embora com nítidas associações ao estilo antuniano, com uma escrita que me agrada sobremaneira, íntima, profunda, com características oralizantes, se assim se pode dizer, e onde o universo interior das personagens se sobrepõe às suas ações. Para além disso, recordava da primeira leitura um friso cronológico “ao contrário”, ou seja, lembrava-me que na primeira parte da obra os capítulos andariam para trás no tempo e que as partes posteriores nos fariam recuar ainda mais para, no final, voltarmos ao tempo presente – 2005. Recordava ainda que a morte de um ente querido seria o principal mote da trama.
A leitura ou releitura de qualquer obra que despolete o meu interesse pede entrega total, sem redes, sem máscaras. Só assim haverá a ligação, a união plena entre leitora e obra. Existem quase sempre condicionantes – expectativas, opiniões de outros leitores, comparações com outras obras – do mesmo autor ou não – timing da leitura, etc. É impossível (ou praticamente) enveredarmos numa leitura virgens, impolutos. Muitas das vezes esses condicionantes que referi sentam-se ao meu lado e são espectadores, meros figurantes. Contudo, noutras destacam-se e dão um salto, transformando-se em personagens com algum relevo e interferindo com a magia de um momento que deveria ser único, apenas meu.
Com A casa quieta, os condicionantes subiram ao palco mal percorri as primeiras páginas e sob a forma de bloqueios aos fantasmas, infelizmente muito reais, e que assombram a vida de todos aqueles que perderam um ente querido na batalha contra o cancro. Subiram ao palco com força e persistência. Imiscuíram-se subtilmente e não mais abandonaram a cena. O que deveria ter sido uma releitura emotiva, saborosa apesar do fel agregado aos seus temas (não apenas essa maldita doença) foi uma leitura regada por alguma indiferença, por alguma apatia e por algum inconsciente distanciamento.
Hoje, após se terem passado algumas horas do encerramento da releitura, continuo com a sensação de que a releitura não presta a devida homenagem à escrita, ao talento e ao amor que tenho à obra de Rodrigo Guedes de Carvalho. Sinto-me culpada, obviamente, mas sinto que essa culpa é involuntária, que não fui capaz de enxotar para um canto longínquo medos, que não desliguei de realidades que já aconteceram ou que podem acontecer e que nem deixei que inúmeras passagens de uma beleza indescritível (sublinhadas aquando da primeira leitura) me embalassem e me conduzissem para onde tanto queria ir com esta releitura – para aquele cantinho só meu, para onde sempre viajo com o encanto e o sabor dos meus livros.
Perante tudo o que referi até agora, recomendo esta obra apenas a quem quiser saborear uma escrita lindíssima, poética e muito íntima e procurar uma narrativa sem filtro, repleta de dores, traumas, com personagens complexas e muito humanas, muito próximas de nós.
Deixo, por fim, alguns trechos que fui sublinhando, ou melhor, encontrando sublinhadas da minha primeira leitura:
É então isto a morte. Abrires os olhos à espera de uma revelação e esbarrares no nada.” (pág. 15)
As viagens, pela sua incomparável probabilidade aberta, eram a sua melhor memória. Mas era sobretudo o seu significado que a trazia eternamente grata.” (pág. 123)
“…éramos um todo, éramos ainda assim um todo, que se partiu, caiu ao chão e partiu-se, perto de um banco de jardim, numa cidade que amamos…” (pág. 147)
Tu eras. E passo a citar. Uma voz (…) Eras as luzes acesas. (…) Tu eras. Passo a citar. Nós. Ainda há pouco vi que já não somos mais. (…) Eras a casa à minha espera. Ainda há pouco cheguei, poisei as chaves e a minha casa já não é a minha casa ou pelo menos. Já não importa, não és.” (págs. 256, 257)

NOTA – 7,5/10

Sinopse

"Quero acreditar que já não estarias em casa por alturas em que cheguei mas não sei dizer. A verdade é que não te procurei. Mais uma vez. Penso que fiz as coisas do costume, penso hoje quando penso nisso que fiz as coisas do costume, terei deixado o sobretudo ao acaso, abri o frigorífico fechei abri uma outra vez, sem saber bem o que procuro, acontece-me quase sempre. As coisas do costume. Vagueei sem saber bem, o sobretudo caído alguém há-de arrumar, tu tratas disso. Do frigorífico abro fecho abro outra vez, quero pouco, não sei que quero, deixei de beber prometi-te acho que te prometi, não sei que beba."

O Leitor, de Bernhard Schlink


Ficha técnica
Título – O Leitor
Autor – Bernhard Schlink
Editora – Edições Asa
Páginas – 144
Datas de leitura – de 18 a 21 de agosto de 2016

Opinião
Com pouco mais de 140 páginas, Bernhard Schlink arrebatou a minha alma e deixou-a desconcertada, atarantada. Ainda habito esse punhado de folhas. Ainda as sinto profundamente. Ainda não fui capaz de lhes dizer adeus, de desligar. Compreendo na pele, no íntimo, o embotamento que toma conta de Michael Berg na segunda parte da obra. Também eu boio num torpor semelhante.
O Leitor é apelidado de obra-prima, de uma pérola negra. Não poderia estar mais de acordo. É de uma mente iluminada que sai um pequeno romance que encerra em si uma história de amor, uma história sobre culpa, vergonha e crimes de guerra e uma história sobre o poder que alberga quem lê, quem possui a arma do alfabetismo. Três histórias numa só. Três histórias numa pequena história. Que mais dizer?... Sublime, magistral.
A obra está (coincidência ou não) dividida em três partes. Na primeira, Michael é um adolescente de 15 anos, convalescente de uma prolongada icterícia. Quis o destino que travasse conhecimento com Hanna Schmitz, de 36 anos, com quem inicia uma relação amorosa. Será esta mulher autoritária, rude e envolta em mistério que lhe abrirá as portas do prazer carnal, dos jogos de amor e sedução. Será por ela que Michael ficará apaixonado, obcecado ao ponto de se rebaixar por um afago, por um banho a dois, por uns minutos mais entre os seus braços e pernas.
Na segunda parte do romance avançamos no tempo. Michael é um estudante universitário de Direito e ao participar num seminário que o leva a assistir a um julgamento de crimes da segunda guerra mundial, vê no banco dos réus a sua amada da adolescência. Vários sentimentos se apoderam do protagonista – repulsa, vergonha e especialmente torpor, embotamento que o obrigavam a deslocar-se todos os dias ao tribunal, a fixar os olhos em Hanna e a nada fazer, exceto estar ali, observando, escutando e esperando.
Apercebi-me de que achava a prisão de Hanna natural e certa. Não por causa da acusação, da gravidade do delito e do peso da suspeita, da qual ainda não sabia nada ao certo, mas sim porque enquanto estivesse presa estaria fora do meu mundo, fora da minha vida.” (pág. 66)
Na parte três, Michael discorre rapidamente sobre vários factos da sua vida enquanto adulto, sempre condicionada pela presença/ausência de Hanna. É nestas páginas que se acentuam todas as emoções/sensações que habilmente o narrador nos entranha com o decorrer da leitura e que encaminha a narrativa para um desfecho que me levou às lágrimas e a uma estupefacta constatação – eu fui capaz de simpatizar, de sentir carinho e compaixão por uma mulher que participou na máquina exterminadora nazi…
É por isto e muito mais que esta “obrazinha” é, no meu ponto de vista, extraordinária. É extraordinária porque nos seduz com uma história de amor entre um adolescente e uma trintona, porque nos entranhamos em Michael e experimentamos, saboreamos com ele o primeiro amor, a dependência submissa que o leva a sentir-se vivo, completo somente colado ao corpo de Hanna, ao seu cheiro, aos seus contornos. É extraordinária porque nos torna espetadores da ânsia, da vontade desenfreada dos alemães em encontrarem bodes expiatórios que paguem pelos crimes horrendos praticados pelos seus durante a segunda guerra mundial. É extraordinária porque o autor soube, de forma magistral, conceber as duas personagens principais, moldar Michael, fazê-lo crescer, tornar-se adulto e ao mesmo tempo continuar um jovem de 15 anos que nunca mais se libertou daquele primeiro amor e que cujas ações sempre estiveram condicionadas pela sombra daquela mulher, daquela criminosa que o aprisiona. É por fim uma obra extraordinária por tudo o que está por detrás do seu título – da arma que carregamos todos nós que sabemos ler e escrever, da arma que nos alforria, que nos possibilita ser donos de nós próprios, da nossa vida e, por que não, do mundo.
Creio que já disse muito. Creio, no entanto, que poderia dizer ainda muito mais. Mas não vou fazê-lo. Cabe agora a todo o leitor, a ti, ler, acariciar esta pérola negra…
A mim resta-me tentar encontrar a adaptação cinematográfica da obra. Já vi o trailer e, apesar de diferenças evidentes, suspeito que vou mergulhar de cabeça no filme e deixar-me absorver por ele… Se for tão impactante como a obra literária, vai ficar comigo. O livro ficou. Tanto ficou que me impediu (até ao momento) de ir à estante e encontrar a próxima leitura…

NOTA – 10/10 (como é óbvio…)

Sinopse
Em 1960, Michael Berg é iniciado no amor por Hanna Schmitz. Ele tem 15 anos, ela 36. Ele é apenas um adolescente. Ela é uma mulher madura, bela, sensual e autoritária. Os seus encontros decorrem como um ritual: primeiro banham-se, depois ele lê, ela escuta e finalmente fazem amor. Mas este período de felicidade incerta tem um fim abrupto quando Hanna desaparece subitamente. Michael só a encontrará muitos anos mais tarde, envolvida num processo de acusação a ex-guardas dos campos de concentração nazis. Inicia-se então uma reflexão metódica e dolorosa sobre a legitimidade de uma geração, a braços com a vergonha, julgar a geração anterior, responsável por vários crimes.

Perturbadora meditação sobre os destinos da Alemanha, O Leitor é, desde O Perfume, o romance alemão mais aplaudido nacional e internacionalmente. Traduzido em 39 línguas, foi galardoado em 1997 com os prémios Grinzane Cavour, Hans Fallada e Laure Bataillon. Em 1999 venceu o Prémio de Literatura do Die Welt.

Mágoas da escola, de Daniel Pennac


Ficha técnica
Título – Mágoas da escola
Autor – Daniel Pennac
Editora – Porto Editora
Páginas – 253
Datas de leitura – de 10 a 18 de agosto de 2016

Opinião
Agosto. Mês de descanso para todos os professores. Ou quase todos. E eu não fujo à regra.
Agosto. Mês no qual é proibido pensar na escola, em horários, em testes para corrigir, em turmas e alunos. Contudo, a lotaria que está por detrás das minhas leituras cronológicas ditou que em pleno mês de lazer e descanso me tocasse esta obra que aborda, sob o ponto de vista do seu autor, o mundo da escola e dos alunos, sobretudo aqueles que se veem em sérios apuros para aprovar os mais variados anos de escolaridade.
Reconheço que foi uma “tertúlia literária entre colegas de escola” (na qual tive a sorte de participar há um ano atrás) que me aguçou o apetite de querer ler os desabafos do autor, ele próprio um “cábula”, ou seja, um mau aluno desde tenra idade, mas que teve a sorte de ser acarinhado por um pequeno punhado de professores e transformar-se também ele num professor em busca de lançar uma boia de salvação a todos os “maus” alunos com quem foi trabalhando ao longo da carreira. Reconheço igualmente que sabia que esta obra obviamente abordaria a experiência pessoal de um aluno com muitas dificuldades em compreender e assimilar as várias matérias do seu currículo. Mas reconheço por fim que não estava à espera de um texto tão dissertativo, que maioritariamente faz reflexões sobre alunos, professores, pais, sistema educativo e sociedade em geral e minoritariamente narra as atribulações de Daniel Pennac, mau aluno enquanto criança, adolescente, jovem e de Daniel Pennac, professor.
É uma obra muita ternurenta, sincera, recheada de apontamentos que tocam o coração de quem está (e não só) diretamente envolvido no complexo mundo escolar, oferece-nos uma visão abrangente dos últimos anos da educação francesa – nada longe do que se passa nas nossas escolas – mas, por puras questões pessoais, preferiria menos dissertação e mais narrativa… preferiria mais percalços e apontamentos da vida de Daniel e menos reflexões sobre o que pode rotular um mau aluno, um mau professor ou o que é preciso mudar no mundo da nossa educação escolar.
Sendo assim, e reiterando que esta é apenas a minha opinião pessoal, que vale o que vale, a viagem pelas Mágoas da escola, de Daniel Pennac, foi uma mescla de sorrisos e de algum enfado, consequência da resistência que votei a um texto dissertativo em dias de descanso, lazer e “completo” afastamento de tudo o que se relacione com a escola e as obrigações a ela associadas.

NOTA – 6,5/10

Sinopse
Em Mágoas da Escola, Daniel Pennac aborda os problemas da escola e da educação desde um ponto de vista insólito - o ponto de vista do mau aluno. Pennac, que foi ele próprio um péssimo estudante, analisa a figura do cábula outorgando-lhe a nobreza que merece e restituindo-lhe a carga de angústia e dor que inevitavelmente o acompanha.
Misturando recordações autobiográficas e reflexões acerca da pedagogia e das disfunções da instituição escolar, sobre a dor de ser um mau estudante e a sede de aprendizagem, sobre o sentimento de exclusão e o amor ao ensino, Daniel Pennac oferece-nos, com humor e ternura, uma brilhante e saborosa lição de inteligência.

Mágoas da Escola é um livro único e irrepetível, que todos os pais e todos os professores não podem deixar de ler - e dar a ler.

Respirar por la herida, de Víctor del Árbol


Ficha técnica
Título – Respirar por la herida
Autor – Víctor del Árbol
Editora – DeBolsillo
Páginas – 522
Datas de leitura – de 28 de julho a 09 de agosto de 2016

Opinião
Passei estes últimos treze dias submergida num poço literário de dor e vingança. Se porventura não estivesse de férias, num ambiente relaxado e adverso a preocupações, creio que essa imensidão negra de luto não encerrado, de vidas amarguradas e obsessões doentias me teriam afetado e ficado comigo. Mas felizmente (ou não) isso não ocorreu…
Víctor del Árbol é um autor espanhol que conquistou o seu lugar na literatura espanhol e internacional. Já publicou um bom punhado de obras e todas elas mereceram o reconhecimento de alguns bloguistas que vou seguindo religiosamente. Sendo assim, e porque esses mesmos bloguistas nunca me defraudaram, arrisquei na compra de uma das suas obras na última vez que passeei por terras espanholas.
Respirar por la herida é uma narrativa que está prenhada de perda e de dor. Ao lermos a correspondente sinopse, penetramos um pouquinho naquilo que, a meu ver, é uma história feita de muitas histórias, como se de um puzzle se tratasse. Eduardo perdeu a sua família há catorze anos num estúpido acidente de trânsito. Morreu a mulher que preenchia os seus dias, a mulher que o completava. Morreu também o fruto desse amor inquebrável. E Eduardo, apesar de continuar a respirar, fá-lo através de uma ferida que nunca sarou nem sarará, passem catorze, vinte, trinta ou mais anos. Nada na sua existência faz sentido, nada nem ninguém lhe dá alento para voltar a levantar-se da cama com vontade de viver. Vai sobrevivendo porque o seu corpo ainda não se rendeu. Contudo, essa rotina de sobrevivência sofre um abanão quando recebe uma proposta enigmática e absurda – Gloria Tagger pede-lhe que faça o retrato de Arthur Fernández, o homem que está preso porque foi o responsável pela morte de Ian, o seu único filho.
Esta é assim a premissa demoníaca e macabramente cativadora que prende qualquer leitor que busque uma narrativa original e que nos amarre desde a página um. Uma história que nos retrata a perda mais dolorosa de todas – a perda de quem está ao nosso lado, de quem traz luz e alegria aos nossos dias, de quem nos completa – a perda familiar e, pior ainda, a perda de um filho. Uma história que nos traz igualmente histórias de gente só, desamparada, sem raízes, que procura desenfreadamente um gesto de carinho, de amor, de cumplicidade. Uma história onde pululam homens e mulheres de várias classes sociais, de países distintos e que, movidos pelas suas feridas, pelas suas chagas, pelas suas obsessões, não olham a meios para atingir uns fins que poderão não presenteá-los com o encerramento que sabem já não ser possível, mas que se apresentam como o único escape, como aquilo que ainda os move, que ainda os faz permanecer.
Por tudo o que referi até agora, é óbvio que este romance encontra o seu fôlego numa trama dorida, complexa, repleta de urdiduras, como se uma boneca matrioska se tratasse. Todas as histórias, todas as peças, juntas, funcionam como um todo, já que se misturam, entrelaçam e permitem-nos ir absorvendo a riqueza e densidade do estilo do autor que, munido de uma linguagem simples, acessível e fluida, mostra-nos que o intricado, o emaranhado, o complexo consegue-se sem que para isso seja necessário recorrer a uma linguagem e estilo rebuscados e demasiado cuidados. Basta socorrer-se de “armas simples e eficazes” – personagens desenhadas ao pormenor, das quais somos como que sombras, que as acompanham e assim ficam a conhecer intimamente. De todas elas, o narrador nos faculta ações, sensações, pensamentos, sonhos e sentimentos. Do presente, do passado e inclusive do futuro. Com todas elas criamos laços – de simpatia, de empatia, de indiferença, de compaixão, de solidariedade, de antagonismo e do mais profundo desprezo.
Não fui capaz de odiar Eduardo. Não fui capaz de odiar Guzmán. Não fui capaz de odiar Ibrahim. Os três carregam nas costas assassinatos que cometeram no passado. Mas estão de tal forma bem concebidos pelo autor que compreendemos que atuam ou movidos por uma vingança cega ou por uma certa resignação face ao fardo que a vida os obrigou a carregar. E todos eles mostram que são ou foram capazes de gestos de humanidade, de ternura e que agora ou antes se enamoraram de alguém que lhes fez ver o lado belo e sereno da existência enquanto seres humanos.
No início desta opinião afirmei que felizmente (ou não) a carga dramática, violenta e até macabra que caracteriza esta obra não me vergou, não ficou comigo. Se por um lado isso é positivo, por outro não o é, pois é sinónimo de que o impacto que esta obra teve em mim não foi o expectável e que essa leveza que restou no final da leitura traduz alguma desilusão. Desilusão essa que é algo inesperada e que me “obriga” a não avaliar Respirar por la herida com uma nota muito alta… Contudo, o mesmo não significa que não darei outra oportunidade ao autor. Muito pelo contrário. Fica aqui a promessa.

NOTA – 07/10

Sinopse
Acaso sea el azar el que nos arrebata aquello que más amamos, pero puede que todo lo que nos ocurre no sea sino el resultado de nuestros propios actos. Estas son las preguntas que atormentan a Eduardo, un pintor para quien nada tiene sentido tras la muerte de su mujer y su hija en un accidente de coche. 
Una famosa violoncelista, Gloria Tagger, le dará una razón para seguir viviendo al contratarlo para pintar un cuadro: el retrato de Arthur, el autor de la muerte de su hijo. 

Aceptar ese reto desencadena una cascada de sentimientos que durante muchos años han permanecido ocultos. En Respirar por la herida, con una trama perfectamente urdida y una intensidad descarnada, el dolor y la culpa desbordan los límites de sus protagonistas, con una precisión y una psicología digna del maestro en que se ha convertido ya su autor, Víctor del Árbol (premio Le Prix du Polar Européen a la mejor novela negra europea por La tristeza del samurái, Editorial Alrevés, 2011). 

Balanço mensal - livros lidos e adquiridos em julho


Julho dita um abrandamento no ritmo de trabalho. Dita mais tempo ao ar livre ou no sofá. Dita mais convívio com amigos e família. Dita igualmente que se cumpram as malfadadas mudanças e limpezas no lar, doce lar. E este ano ditou ainda temperaturas escaldantes e que me fizeram bufar, rabujar e procurar não mexer um milímetro para não destilar…
Com todos estes “contratempos”, apenas consegui ler quatro obras e terminar a maratona histórica que havia iniciado com o filhote em abril. Contudo, segundo o Goodreads ainda estou dentro do ritmo necessário para atingir o objetivo de ler 60 livros em 2016 e isso é o que interessa…
Números aparte, iniciei julho lendo a última obra que a Editorial Presença publicou de Ken Follett. Uma terra chamada liberdade é um romance histórico bem ao jeito do seu autor, com um ritmo vivo, personagens cativantes, uma boa mão cheia de cenas escaldantes, mas que, mesmo assim, fica algo aquém da qualidade a que Ken Follett já nos habituou.
Em Obrigada pelo lume, viajamos até terras uruguaias e compadecemo-nos do protagonista, ofuscado durante quase toda uma vida pela opulência, arrogância, superioridade e autoridade do seu progenitor, a quem lança todas as culpas de um vida infeliz e incompleta. Mario Benedetti volta a encantar-nos com o poder e a sensibilidade da sua escrita e, apesar de não ser a obra de que mais gostei deste autor maravilhoso, é uma excelente porta para se apaixonarem pela sua prosa.
Voltei à literatura espanhola e escrita na sua língua original com o excelente romance Si a los tres años no he vuelto. A ação desenrola-se durante o final da Guerra Civil de 1936-39 e nos anos seguintes, já em plena ditadura franquista. É uma obra que dá destaque sobretudo às mulheres e, numa narrativa que mistura factos e personagens verídicos e ficcionados, vi-me rapidamente enredada num ambiente duro, cruel, desapiedado e torturante que tanto me nauseia como me fascina. Resultado – uma leitura desenfreante, envolvente, que nos cativa pela força e carisma das suas personagens e pelo contexto apaixonante em que as mesmas se movimentam. Já aqui referi o quanto sou obcecada pela Guerra Civil espanhola, não referi? Bom, volto a dizê-lo, porque pode haver alguém que ainda não o saiba J
Terminei julho como comecei – com um romance histórico. Com O cavalheiro inglês, fiz a minha estreia no mundo de romances da autora Carla M. Soares e digo que foi uma estreia auspiciosa porque me agradou o ritmo da obra, agradou-me bastante o leque de personagens e fiquei rendida ao par protagonista e ao cuidado que a autora revelou na sua construção e amadurecimento no desenrolar da história.
Julho também determinou que finalmente o D. e eu terminássemos a leitura/maratona partilhada desde o início de abril. Depois de mais de três meses, encerrámos a atribulada leitura de A minha História de Portugal, mas temos consciência de que valeu a pena a demorada travessia pelos acontecimentos mais marcantes da existência do nosso país.
Por fim, julho foi ainda sinónimo de aquisições novas. Na estante moram quatro novos livrinhos, todos eles provenientes de Feiras pelas quais fui tropeçando. Se o passado não tivesse asas, de Pepetela foi comprado em Braga, na Feira do Livro da cidade e foi uma verdadeira pechincha! Da Feira que está a decorrer nos hipermercados Continente viajaram cá para casa mais três aquisições a preços reduzidos – O outro pé da sereia, de Mia Couto, História de um cão chamado Leal, de Luís Sepúlveda e Um gato, um chapéu e um pedaço de cordel, de Joanne Harris. Quatro autores que me agradam muito e que seguramente não me defraudarão. Quatro obras baratuchinhas e que trazem um novo fôlego e cores deliciosas à minha estante! Não poderia estar mais feliz! Bom, até poderia se em vez de quatro fosse o dobro ou o triplo ou… Enfim, em agosto logo se vê J
Deixo-vos os links que permitem aceder às opiniões completas das leituras de julho:
§  Uma terra chamada liberdade, de Ken Follett
§  Obrigada pelo lume, de Mario Benedetti
§  Si a los tres años no he vuelto, de Ana R. Cañil
§  O cavalheiro inglês, de Carla M. Soares
§  A minha História de Portugal, de Elisabete Jesus e Eliseu Alves