Si a los tres años no he vuelto, de Ana R. Cañil


Ficha técnica
Título – Si a los tres año no he vuelto
Autora – Ana R. Cañil
Editora – Espasa Libros (Edição de Bolso)
Páginas – 399
Datas de leitura – de 11 a 18 de julho de 2016


Opinião

Jimena, tú eres roca y agua, pero yo soy la roca que durante todo el día sólo espera a la noche para que me abraces, vida mía.” (pág. 316)

Este é o mote para uma belíssima história de amor que nem as mais medonhas adversidades conseguiram derrubar. É também o mote que descreve na perfeição uma das protagonistas da obra, uma jovem mulher que nos faz acreditar no quanto valores, educação, um carácter determinado e o amor fazem a diferença em situações inumanas, de tão horríveis e sofridas que são.
 Tomei conhecimento desta obra através de um blogue espanhol que sigo religiosamente – (El buho entre libros) – e que até hoje nunca me defraudou com as suas sugestões. E Si a los tres años no he vuelto é um exemplo dessas dicas preciosíssimas e que me fazem andar de lista na mão sempre que vou a Espanha e entro numa livraria, desgraçando a carteira… O autor do blogue atribuiu-lhe a pontuação máxima, não só porque desconfio que é um “agarrado” como eu a todo o bom romance que retrata a Guerra Civil Espanhola como é fácil de entender pelo que escreve que se encantou pelo estilo da autora e sobretudo pela força, dramatismo e intensidade dos acontecimentos narrados e das personagens que os protagonizam.
Jimena e Luis são dois jovens provenientes de mundos distintos. Ela é filha de gente humilde e trabalhadora e de paisagens rurais. Viveu toda a sua infância e adolescência rodeada de água, rochas, montanhas, cheiros e sabores que representam uma vida simples, honrada e em harmonia com a natureza e a retidão de valores e tradições. Contudo, o amor por um jovem soldado, republicano, oriundo de famílias mais abastadas vai abalroar toda a sua pacata e ordeira existência e levá-la, sem hesitações, a abandonar a vida como a conhecia até então e a seguir o seu homem. Deixa para trás Rascafrías e muda-se para Madrid nos finais da Guerra. Com o desfecho dramático desta para os defensores da República e com a consequente tomada do poder do Caudillo, a capital espanhola transforma-se num viveiro de espiões, polícias e bufos que alimentam detenções sistemáticas de todos aqueles que direta ou indiretamente apoiaram as cores da República. Obviamente Jimena e Luis não escapam a esse pós-guerra devastador e sofrerão na pele os horrores inimagináveis que a máquina sedenta de sangue do regime de Franco pôs em prática numa caça desenfreada e ávida em busca daqueles contaminados pelos ideais doentios de Marx e do resto da sua “horda”.
É neste ponto da narrativa que entraremos pelos portões de uma das prisões mais conhecidas da ditadura franquista – a prisão de Las Ventas, situada em Madrid e onde se detiveram milhares e milhares de mulheres republicanas, comunistas, porque eram consideradas inimigas, pior, porque eram a representação do Mal na Terra, Mal esse que era imprescindível erradicar para que mais ninguém se contagiasse.
Através da personagem de Jimena e de outras companheiras de cela, como Trini Gallego, Angelita ou Petra Cuevas, viveremos o dia-a-dia miserável numa prisão a abarrotar de mulheres, crianças, doenças, piolhos, percevejos, fuzilamentos, tortura, humilhação, desprezo e tantos outros sentimentos e condições que nenhum ser humano decente deve experienciar. Os relatos são duríssimos, crus e infelizmente muito realistas. E é isso que nos violenta, que nos corrói, espezinha mas que torna sólida, intensa e inesquecível esta narrativa.
Para além desse cenário de pós-guerra exemplarmente documentado e transposto para a ficção pela autora, outro dos trunfos preciosos desta obra é a força das suas personagens.
Jimena é força da natureza e uma protagonista à qual nos rendemos sem opor qualquer resistência. Não é possível ficar indiferente à sua determinação, à sua força, à sua retidão e à herança moral que lhe foi transmitida pela sua avó, pelo seu pai e até pela sua mãe, com quem tem desavenças e formas distintas de estar na vida. É uma jovem apaixonada, que luta até às últimas consequências pelo que é seu e pelo que anseia que não é nada mais do que ser feliz junto dos seus.
Do lado oposto está a anti-protagonista, La Topete (personagem verídica), a carcereira de Ventas e posteriormente da prisão maternal de San Isidro. Devota um ódio desmedido por tudo e todos que comungam de ideais vermelhos e é a encarnação da frieza, da crueldade e do terror que infunde em todas mal se ouvem os seus passos. O seu objetivo principal era separar os filhos das mães comunistas para que estas não os contagiassem e as descrições do que ela faz a progenitoras a quem arrebata os bebés são horríveis, de nos deixarem sem ar.
Ao lado de tais protagonistas fortíssimas encontrei outras que contribuíram imenso para que esta obra ocupe já um lugar muito especial na minha vida. Por razões óbvias não posso deixar de destacar Luis Masa, o amor de Jimena, mas reconheço que tenho uma particular predileção pelo seu irmão, Ramón, por Vicenta, a criada que se manteve fiel ao lado dos irmãos Masa e que é como se fosse uma segunda mãe dos mesmos, e por Trini, Angelita e Petra, as mulheres de uma coragem e valentia enternecedoras e que amparam Jimena nos momentos mais sofridos.
Por tudo o que referi até agora e mormente porque nunca nos devemos esquecer do passado, já que o mesmo nos ajuda a entender o presente e o futuro, aconselho vivamente esta obra (que infelizmente não está traduzida para português) àqueles que se desenrascam com a língua espanhola, já que o que ela narra não está muito distante do que aconteceu ao nosso país durante o Estado Novo e é apaixonante saber um pouco mais da História recente, seja ela nacional ou não. E se és um entusiasta (como eu) por períodos negros da referida História, então Si a los tres no he vuelto espera ansiosamente por ti J
Deixo para o fim algumas imagens e curiosidades associadas ao pós-guerra em Espanha e que estão referenciadas na obra:

Prisão de Ventas – esteve em funcionamento até 1967 e depois foi demolida. Atualmente não há nada, nenhuma placa, nenhum sinal, que testemunhe a sua existência.



Trinidad Gallego – outra das personagens verídicas que povoam a obra. Comunista, enfermeira e parteira, foi detida juntamente com a sua mãe e avó. Esteve encarcerada durante 7 anos. Deixo aqui o link para uma reportagem que El mundo fez com esta grande mulher!

http://www.elmundo.es/especiales/2006/07/espana/guerracivil/hist_gallego.html

Mariquita Pérez – a boneca do regime. Chegou ao mundo em 1940 e era o protótipo das bonecas de meninas de bem, já que encarnava todos os valores e ideais das meninas e senhoras da Falange.

 


NOTA – 09/10

Sinopse
Dos mujeres. Dos mundos.
Dos maneras de entender la vida y el amor.
Un formidable fresco de las dos Españas de la posguerra encarnadas en dos personajes inolvidables.

Sem comentários:

Enviar um comentário