A vida inútil de José Homem, de Marlene Ferraz



Ficha técnica
TítuloA vida inútil de José Homem
Autora – Marlene Ferraz
Editora – Gradiva
Páginas – 172
Datas de leitura – de 11 a 14 de março de 2018

Opinião
Já comecei esta opinião várias vezes e dou comigo a apagar tudo o que vou escrevendo, porque nada do que escrevi até agora consegue refletir o quanto a obra de Marlene Ferraz ficou comigo.
Sabia, de um saber cá de dentro e que não se explica, que seria isso que iria acontecer mal retirasse a obra da estante e a deixasse fazer-me companhia. Sabia que, tal como aconteceu com a Márcia, que partilhou no seu Planeta o quanto se havia apaixonado pela história de José Homem, que o mesmo se passaria comigo. E não poderia estar mais certa. Demorei quatro dias a ler 172 páginas. Tantas horas para ler menos de 200 páginas, tantas horas para acercar-me de José Homem e saborear com um prazer indescritível a escrita da sua criadora. Tantas horas para perder-me numa narrativa curtinha, que me falou como se me conhecesse desde sempre e compreendesse, como muito poucas compreendem, aquilo que me desarma e me faz encontrar nos livros um lado doce e inesquecível de uma existência que tende a ser absorvida pelo corriqueiro, pelo banal e pelas obrigações. Tantas horas para confirmar o que já era certo ainda antes de retirar a obra da estante – que A vida inútil de José Homem ficaria comigo para sempre.
José Homem é um homem que prepara a sua morte, pois já não quer mais viver uma vida amputada de amor. Vai desfazendo-se dos bens materiais que ainda o poderiam ligar às memórias e recordações dessa existência amputada de amor até que conhece Antonino Salvador, criança que traz no corpo as lembranças de uma guerra que lhe levou uma perna e os familiares. Entre os dois nasce uma ligação que me comoveu até às lágrimas e me fez abrir o coração e amar um ancião que sempre procurou o amor, que poucas ou nenhumas vezes o encontrou e que foi, devagar, devagarinho, abrindo a porta de sua casa e da sua vida a um miúdo estrangeiro, também ele em busca de um lar, de um poiso.
É impossível não deixarmos que José Homem e Nino nos arrebatem. É igualmente impossível não sorrir perante a benévola teimosia do padre Delfim, a sua intrínseca bondade e os “pecados” que vai cometendo em prol de um bem maior. E é ainda impossível não nos deixarmos embalar pela suavidade e poesia que emanam da escrita e do estilo da autora. Tudo magistralmente interligado e que acaba por criar uma obra que nos toca no que nos é mais íntimo. A mim tocou. E suspeito que o fez e fará a todos que a leram e a possam vir a ler.
Não me apetece dizer muito mais. Talvez por questões meramente egoístas ou talvez porque José Homem, Nino e a sua criadora merecem que muitos mais leitores os queiram conhecer e perceber por si mesmos o quanto eles são especiais, únicos.
A mim resta-me dizer obrigada a ti, Márcia. Foste tu quem me impulsionou a querer conhecê-los. Agora que o fiz nunca mais os largarei.

NOTA – 10/10

Sinopse
As idas à grande cidade para se libertar da herança dum pai coronel verticalmente duro e duma mãe extravagante e desligada fazem com que José Homem se sinta no bom caminho para uma morte sem memórias nem saudade.
Descrente no governo de deus e, sim, das circunstâncias, é por mão do padre que se vê obrigado a relacionar-se com um dos rapazes estrangeiros recebidos no orfanato, Antonino, mutilado na guerra civil de Angola, o que vem despertar em si um sopro inesperado de amor e vontade.

6 comentários:

  1. Olá Ana,
    Que bom que gostaste. Como sabes, o último da autora não gostei muito, mas este vou dar-lhe uma oportunidade. Pela tua opinião e da Márcia 😊
    Um beijinho e boas leituras

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    1. Sim, querida, por mim e pela Márcia, dá-lhe uma oportunidade, por favor!
      Depois contas-me!
      Beijinhos e leituras muito saborosas.

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  2. Este livro tem tudo para ser uma lamechice: um velhote rabugento, um menino aleijado, uma mãe negligente, um pai tirano, um amor de juventude proibido, uma escrita que pode parecer pretensiosa, mas... É soberbo! É tal e qual como o descreves,um livro pequeno mas extremamente rico nas palavras e nas emoções.
    Se eu fosse escritora, coisa que não ambiciono, gostaria de conseguir comover os leitores com frases tão sucintas e poderosas como: "- Aonde me levas? - Ao lugar onde ainda somos." Muito lenço de papel gastei eu...
    Ando há uns tempos de olho no livro de contos dela "Na Terra dos Homens", mas já tenho "O Tempo do Senhor Blum e outros contos" que pretendo ler agora em Abril. Espero ficar igualmente encantada, mesmo não sendo a maior apreciadora de contos.
    Bom fim de semana com a Jane!
    Paula

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    1. Mais uma vez, fico deslumbrada com o quanto os nossos gostos são parecidos e o quanto nos deliciamos com os mesmos detalhes. Esse fragmento que referes foi um dos que mais me marcaram ao longo da narrativa! Simplesmente sublime e ao alcance de muito poucos!
      Aguçaste-me a curiosidade com essas coletâneas de contos. Conta-me, depois, o que achaste deles, por favor!
      A Jane foi uma companhia maravilhosa nestes últimos dias! Que bem que me soube voltar a estar com ela!
      Beijinhos!

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  3. Great minds think alike! <3
    Paula

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