As lágrimas de Aquiles, de José Manuel Saraiva


Ficha técnica
TítuloAs lágrimas de Aquiles
Autor – José Manuel Saraiva
Editora – Clube do Autor
Páginas – 290
Datas de leitura – de 11 a 14 de janeiro de 2018

Opinião
Esta obra é a primeira obra do autor José Manuel Saraiva. Foi publicada em 2001 e em novembro de 2017 reeditada pela Clube do Autor com uma capa lindíssima e que nos abre o pano para o tema central da sua narrativa – a Guerra no Ultramar.
Nuno Sarmento é um jovem que frequenta a Universidade de Coimbra. Está enamoradíssimo de Catarina e contempla o futuro com paixão, com alegria. Contudo, no mais fundinho da sua consciência sabe que os seus planos e sonhos estão manchados por algo a que não poderá escapar – a inspeção militar, o muito provável apuramento para todo o serviço militar e o cumprimento do mesmo em terras do Ultramar, onde o Império Português tentava desesperadamente não fenecer.
Não sei muito sobre a Guerra em África. Nunca li muito sobre o assunto e também é verdade que, na escola, esta matéria foi dada “pela rama” e apenas num ano letivo, enquanto as dinastias afonsina, de avis e outras foram abordadas “vezes sem conta”. Sendo assim, foi com muito entusiasmo que abracei esta obra quando a recebi no correio, diretamente da editora, a quem agradeço muitíssimo o envio.
Como de costume, o maridinho leu-a primeiro do que eu e avisou-me de imediato de que iria gostar muito de ler a história do Nuno e da sua experiência militar em terras guineenses. Ainda fiquei com mais expectativas quando me dei conta de que a mesma figurava no seu TOP 10 das melhores leituras de 2017.
As lágrimas de Aquiles está embrenhada numa amargura que soa muitas vezes a resignação e a abatimento. Apercebemo-nos disso logo nas suas páginas iniciais quando compreendemos o quanto os anos de guerra foram cruciais para o resto dos anos da vida de Nuno – “Já nada sou, meu irmão. Invade-me um desmesurável cansaço, uma insuportável sensação de inutilidade de vida.” (pág. 25) Desde que embarcou para a Guiné que Nuno nunca mais foi o mesmo. Tudo o que viu, o que experienciou, tudo que o marcou, tudo o que a guerra lhe tirou, tudo foi demasiado amargo, doloroso e principalmente inútil. Combateu, junto com os seus companheiros de batalhão, uma guerra que ninguém lhe fez o favor de explicar. Perdeu dias, meses e anos da sua juventude para travar o fim de um império que estava moribundo há algum tempo. Sentiu a morte ao seu lado, sentiu medo, angústia, terror numa terra estranha, situada a milhares de quilómetros do seu país e que nada lhe dizia – “… o meu lugar não era aqui. O meu verdadeiro lugar era no meu país.” Combateu o suposto inimigo, viu camaradas perderem a vida por causa de estilhaços de granadas, de tiros ou de minas e sabia que o próximo poderia ser ele. Mas combateu sobretudo os seus demónios e uma solidão que o afogava num aquartelamento repleto de homens que também se defrontavam com os seus demónios e horas infinitas de inatividade. No fim, sobreviveu, nenhuma bala, granada ou mina lhe ceifou a vida. Tornou-se um sobrevivente, regressou ao seu país. Contudo, não regressou inteiro. Em África, na Guiné deixou a alegria, o amor, a esperança, a vida. Regressou com a alma mutilada e com a certeza absoluta de que, se tivesse morrido, a sua morte seria, como todas as outras, uma morte para nada.
Dói ler narrativas como esta. Dói porque se baseiam na realidade. Na realidade do autor (também ele um ex-combatente do Ultramar) e na realidade de muitos jovens portugueses que ou deixaram a vida nas matas de um país que não era o seu ou regressaram da experiência feridos na alma, transformados, fechados sobre si mesmos e sem um lugar e um propósito na vida. Dói porque são a confirmação do quanto um punhado de homens tem o poder de manobrar a seu bel-prazer com a vida de inocentes, enviá-los para a frente de combate e matá-los. E para quê? Para nada…
Por tudo o que referi, é fácil perceber que o maridinho acertou no seu prognóstico. Gostei muito desta obra, apesar de não ter derramado as lágrimas que ele estava à espera que eu derramasse. Porém, por vezes, não é necessário chorar para sentir o impacto de uma história. Estive sempre ao lado do Nuno, apeteceu-me abraçá-lo, embalá-lo, limpar-lhe as lágrimas de guerreiro e, acima de tudo, vi-o como alguém real, uma personagem que poderia ser o meu pai, o meu tio ou um amigo próximo da família. Compreendi as suas dúvidas, as suas revoltas, as suas frustrações, as suas ações e as suas fragilidades. Compreendi a vontade irrefreável que experimentou, anos depois, e que o levou de novo à Guiné. Compreendi tudo isto e compreendi que José Manuel Saraiva se estreou no mundo das letras ficcionadas com muita maturidade, revelando-se um autor que transporta para as suas histórias e sobretudo para as suas personagens a serenidade e a força do seu olhar.
Termino recomendando esta leitura e agradecendo de novo à editora Clube do Autor, que me enviou a obra em troca de uma opinião sincera.

NOTA – 09/10

Sinopse

Baseada nas experiências do autor na Guerra do Ultramar, As Lágrimas de Aquiles é uma história de ficção sobre o amor, a saudade, a guerra e as escolhas que se tornam a nossa vida. Ou que acabam com ela.

4 comentários:

  1. Olá Ana,
    Já tinha este livro. Mas com tanta leitura de guerras e holocausto que não vou ler agora. Mas vou, certamente, ler mais tarde. Parece um excelente livro.
    Um beijinho e boas leituras

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    1. Olá, Isa!
      Sim, dá-lhe uma oportunidade em outro momento, porque é muito bom mesmo! Vale a pena deitar-lhe a mão! Depois contas-me!
      Beijinhos e leituras muito saborosas!

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  2. Acho que tens tido muita sorte nos livros que te têm enviado, porque para mim 8 ou 9 são notas fantásticas. Nunca li nada deste autor, apesar de já ter visto títulos dele por aí. Confesso que pego mais facilmente numa autora que não conheça do que num autor. O coração quer o que o coração quer... :-)
    Paula

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    1. Tenho sido afortunada, sim! É mais um das alegrias que me dá este cantinho!
      Tive uma fase, quando era mais jovem, que a literatura saída de mãos masculinas me atraía mais do que a da escrita pelo género feminino. Agora, inclino-me a dizer que quem me enche mais as medidas são as mulheres - Mazzantini, Almudena, Kate Morton... Mas estou sempre prontinha a ser surpreendida ;) Venham eles, o que eu quero é ler!
      Beijinhos!

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