Planeta Terra, de autores vários


Ficha técnica
Título – Planeta Terra
Autores – Vários
Editora – Edicare
Páginas – 35
Datas de leitura – de 15 de julho a 20 de setembro de 2016

Opinião
É com um sorrisinho triste e alguma resignação que confesso que a leitura não consegue ser tão entusiasmante para o D. como o é para mim ou para o pai. Continua a ser uma luta muito desigual aquela que põe de um lado da contenda os múltiplos livros que preenchem a estante do seu quarto e do outro a PSP, o tablet, os jogos de computador ou os vídeos dos youtubers que ele vai seguindo religiosamente.
Contudo, essa desigualdade não é sinónima de desinteresse. Nada disso. Apenas significa que uma obra que poderia ser lida em pouco tempo se arrasta por uma infinidade de dias, que os minutos diários dedicados à leitura serão sempre poucos e algo apressados e que o livro terá que ter muita paciência, saltar de divisão em divisão e estar momentaneamente esquecido se, por exemplo, a televisão estiver a transmitir qualquer programazeco de futebol…
Tal como aconteceu com a obra anterior, esta que se dedica a explicar pormenorizadamente o sistema solar, a posição da Terra no mesmo e fenómenos naturais que assolam o dia-a-dia do nosso planeta foi sendo lida a passinho de caracol e, por ser muito volumosa (já que traz todo um manancial de peças para construir um globo terrestre), tão pouco viajou connosco nas férias de verão. Sendo assim, muito do que foi sendo lido não deverá ter habitado demasiado tempo na cabecita do meu pimpolho, por muito boa memória que tenha… No entanto, se lhe perguntarmos se gostou de lê-la, ele afirmará sem rodeios que sim, já que devota um interesse considerável pela geografia e pelas ciências e porque o livro é adequado à sua idade, tem uma linguagem acessível, clara e também porque apresenta sugestões de experiências simples que ajudarão, por exemplo, a compreender as fases da água – gasosa, líquida e sólida – e oferece, como já referi, a oportunidade de construir um globo terrestre.
Resta-me dizer, em abono do meu filhote (parece-me que estou a pintar uma imagem do meu D. como um rapazinho para quem a leitura é “uma seca”) que durante as férias leu seis ou sete obrazinhas de duas coleções de Science for you (das quais escreverei a correspondente opinião um dia destes) e que as foi lendo sozinho, sem a companhia da mãe, ou lendo-as em voz alta para mim e para o pai. Como tal, tenho que admitir que a leitura nunca esteve posta de parte – apenas que terá que conformar-se em ocupar uma posição menos preponderante nas brincadeiras do D. A infância dos dias de hoje não se pinta com as mesmas cores com que se pintou a minha, é um facto. A paleta de agora é muito mais diversificada e são tantas as atrações que é perfeitamente compreensível que um livro, páginas atrás de páginas e momentos de silêncio e quietude não seja a mais apelativa.
Termino recomendando esta obra para todos os pais e filhotes que queiram satisfazer alguma curiosidade sobre aquilo que faz do planeta Terra o cantinho fascinante que temos o privilégio de habitar.

NOTA – 10/10 (segundo a opinião do D.)

Sinopse

Constrói um espetacular globo terrestre giratório e explora as maravilhas do nosso planeta. Investiga a formação, a estrutura, a atmosfera e os sistemas climatéricos da Terra ao longo de mais de 20 experiências divertidas!

Los aires difíciles, de Almudena Grandes


Ficha técnica
Título – Los aires difíciles
Autora – Almudena Grandes
Editora – Tusquets
Coleção – Maxi Tusquets
Páginas – 793
Datas de leitura – de 11 a 24 de setembro de 2016

RELEITURA

Opinião
Regressar ao mundo de Almudena Grandes é como regressar a casa, ao nosso refúgio de cantinhos conhecidos, que nos acolhe de sorriso nos lábios e braços estendidos. Sempre que retiro da estante uma obra desta autora, que considero muito minha, sei com aquele saber que não engana que embarcarei numa viagem algo demorada (o número de páginas da maioria dos seus romances não engana…), mas que ficará comigo, não importa as vezes que decida fazê-la ou refazê-la.
Li pela primeira vez Los aires difíciles em 2008. Demorei praticamente dois meses a chegar à sua última página. Oito anos depois e acelerando pela “estrada do espanhol” a uma velocidade consideravelmente superior, encerrei a sua leitura duas semanas depois de a ter iniciado. É óbvio que o ritmo mais rápido se deve ao já referido maior domínio da língua espanhola e sobretudo ao facto de ter mergulhado na narrativa como se me estivesse a estrear nela.
Recordava que a história dividia as suas quase 800 páginas pelo presente e passado de dois protagonistas, um homem e uma mulher que as agruras da vida “obrigaram” a deixar toda uma existência citadina, madrilena e buscar refúgio numa pequena localidade do sul de Espanha, onde imperam as vontades dos ventos de levante, de ponente ou suão. Recordava ainda pequenos farrapos das suas histórias, da bagagem pesadíssima que não havia ficado perdida mesmo após terem posto centenas de quilómetros entre o ponto de partida e o ponto de chegada. O resto, ou seja praticamente tudo, foi uma jornada de primeiros encontros, de primeiras descobertas (com algumas sensações de “déjà vu”, como é óbvio) e de prazeres sensoriais arrebatadores, como só a minha Almudena tão magnificamente bem sabe levar os seus leitores a saborear.
Juan Olmedo é um homem de quarenta anos que, perante uma tragédia familiar, reúne os cacos que sobreviveram e larga sem olhar para trás uma vida que já nada lhe pode oferecer. Parte na companhia do seu irmão Alfonso, que nasceu com uma deficiência mental, e na companhia da sua sobrinha Tamara, que, com dez anos, é órfã de pai e mãe. Tenta desesperadamente fechar a porta à dor, a sentimentos de culpa, de nojo e compaixão por si próprio e recomeçar num lugar longínquo, que o havia acolhido anos antes de braços abertos, quando mais precisava de estar só e questionar o que verdadeiramente deveria mover a sua vida.
Na mesma urbanização de vivendas para veraneantes, uns metros ao lado instalou-se Sara Gómez, uma madrilena de cinquenta e três anos e que aí pretende saborear o resto dos seus dias. Mulher reservada, elegante, grita indícios de que também ela encontrou naquela localidade junto de Cádiz um abrigo só seu, que prefere fechar as portas a um passado de solidão, de não pertença a ninguém e a nenhum lado e abri-las a um presente sem contratempos, sereno como pode sê-lo o mar que lambe a praia vizinha.
A estes dois protagonistas junta-se um punhado de outras personagens não menos cativantes. Para além dos já mencionados Alfonso e Tamara, os Olmedo e Sara acolherão na sua nova vida Maribel e o seu filho Andrés, também eles portadores de fardos não menos pesados. Da sua vida anterior, daquela que tanto querem deixar do lado de fora, conheceremos os pais de Sara, a sua madrinha, o homem que mais amou e Damián Olmedo, Nicanor e Charo, a mulher de coxas da cor de leite-creme tostado e que trouxe o melhor e sobretudo o pior, o mais baixo, o mais vil e o mais doentio aos dias do passado de Juan.
A todas estas personagens e a outras mais secundárias, Almudena Grandes acrescenta uma narrativa que, como habitualmente, salta muito amiúde do presente para o passado, do presente de Sara para o passado de Juan e vice-versa, e adiciona o ingrediente vital, essencial para que quem descobre o mundo literário desta autora de lá mais não queira sair – um conhecimento imenso, completo daquilo que faz do ser humano um ser complexo, contraditório, imperfeito, emaranhado nas suas emoções e atitudes, mas tão, tão fascinante e belo.
É por tudo isto que se torna fácil e nada enfadonho embarcar numa leitura de mais de 700 páginas, que pesa mais de meio quilo e que é complicado transportar na carteira. Mal a narrativa arrancou só a muito custo lhe pus travão, só quando as malfadadas obrigações me obrigaram é que o fiz e dei por mim nos “ratitos libres” a papar mais de cem páginas de uma vez só. Porque o que escreve esta mulher que tanto venero me prende de tal forma ao sofá, à cadeira, à cama que parece que o mundo exterior se esfuma e só existimos eu, o livro e uma narrativa magistralmente bem construída, articulada e que me penetra e se aloja em mim como mais parte minha, do meu corpo, da minha alma, da minha vida.
Para rematar, refiro que Los aires difíciles está traduzida para português. Foi infelizmente a última obra de Almudena a ser publicada no nosso país e pela editora Dom Quixote. Por isso, para quem quiser perceber o porquê da minha veneração pela autora, pode fazê-lo sem precisar de dominar a língua espanhola. Façam-no porque não se arrependerão!

NOTA – 10/10

Sinopse (em português)
Um poderoso retrato de sentimentos e dos seus valores no nosso tempo.
Juan Olmedo e Sara Gómez são dois estranhos que se instalam, em princípios de Agosto, numa urbanização da costa de Cádis, dispostos a reiniciar as suas vidas. Desde logo sabemos que ambos têm um passado bem diferente em Madrid. Sem o desenterrarem, «destinados a conviver como os únicos sobreviventes de um naufrágio», trocam confidências e amizade graças a uma inesperada cumplicidade proporcionada pela partilha de uma empregada, Maribel, e pelo cuidar das crianças. Sara, que viveu a infância com a sua madrinha no bairro madrileno de Salamanca, sofre o estigma de ter tido tudo e de tudo ter perdido. 

Juan, por seu lado, foge de outras injustiças: uma tragédia familiar e um amor secreto e torturante que quase arruinou a sua vida. Como os ventos de poente e de levante, as suas existências parecem agitar-se ao sabor de um destino inóspito, embora eles tenham a vontade férrea de o pôr a seu favor.

Que importa a fúria do mar, Ana Margarida de Carvalho


Ficha técnica
Título – Que importa a fúria do mar
Autora – Ana Margarida de Carvalho
Editora – Teorema
Páginas – 240
Datas de leitura – de 05 a 10 de setembro de 2016

Opinião
Comprei este livro porque a sinopse prometia e porque sinto um gostinho especial quando espreito o mundo de novos autores portugueses. Que importa a fúria do mar aliciou-me garantindo-me uma espreitadela ao nosso passado ditatorial e a umas das suas facetas mais doentias – o campo de concentração do Tarrafal. Piscou-me o olho com uma história de amor que nos anestesiaria e faria com que arrumássemos no cantinho dos factos inumanos cometidos por humanos todas as descrições de dor, tortura, desespero daqueles acorrentados apenas por ansiarem por um futuro mais justo.
As expectativas eram assim consideráveis. Contudo, foram-se escorrendo mal abri o livro e percorri as páginas iniciais… Primeiro instalou-se a frustração e a esta seguiu-se aquilo que mais temo que aconteça em qualquer leitura – ergueu-se uma carapaça que não possibilitou a tão saborosa ligação entre leitora e leitura. Inconscientemente (ou talvez não) deixei que se instalasse a malfadada indiferença e, por muito que lutasse para afastá-la, sabia que dificilmente ganharia essa luta.
Não foi um completo desperdício de tempo. A personagem de Joaquim não deixou que fosse. A sua personalidade, os seus imensos olhos verdes, a sua infância dorida, a intensidade de amor que devotava a Luísa assemelharam-se a uma boia que me manteve a flutuar num mar linguístico demasiado barroco, rococó. Sinceramente esperava que a autora, que é jornalista, optasse por um estilo mais limpo, mais “clean”. Concordo com as opiniões que fui lendo no goodreads e que transmitem alguma frustração perante uma história que teria os ingredientes certos para resultar numa leitura interessantíssima e que, sobretudo por causa de um estilo pomposo e algo artificial, leva a que o leitor não se deixe embalar, lute, esbraceje e ponha o livro de lado ou, como eu, continue a virar páginas, mas dolorosamente indiferente ao que vai encontrando.
Para além do estilo rebuscado, considero que a personagem que partilha o protagonismo com Joaquim – Eugénia – poderia estar mais bem explorada. Apresenta comportamentos e considerações irritantes que são suavizados por analepses à sua infância e juventude. Busca com insistência a aprovação dos outros apesar de querer demonstrar o contrário e coloca a sua vida em pausa quando conhece Joaquim, a quem quer entrevistar como sendo o único sobrevivente vivo do Tarrafal e em quem cuja casa se instala. Compreende-se que uma menina-mulher que nunca foi convenientemente amada queira mergulhar nos olhos de Joaquim, enroscar-se no seu colo (como se um gato fosse) e recriar-se no papel de Luísa. Mas, mesmo que tudo isto nos seja desvendado, nunca criei laços com Eugénia e nunca deixei de sentir que haveria muito ainda para explorar, de preferência de uma forma clara, mais direta e ainda assim clarividente e enternecedora.
Uma leitura confusa, rebuscada e de alguma forma indiferente deriva numa opinião mastigada… Não estou particularmente contente com o que escrevi até aqui, mas não me sinto capaz de fazer melhor. Sinto-me, sim, ansiosa por acabar este texto, publicá-lo e seguir em diante. Que venha uma nova leitura, ou melhor, uma releitura – vou regressar aos braços de Almudena Grandes, que nunca, nunca me defraudou, leia uma, duas, três vezes o mesmo romance, os mesmos contos. Tenham eles 20, 100, 800 ou 1000 páginas!

NOTA – 06/10

Sinopse
Frente a frente, duas gerações de um Portugal onde, às vezes, parece que pouco mudou…
Numa madrugada de 1934, um maço de cartas é lançado de um comboio em andamento por um homem que deixou uma história de amor interrompida e leva uma estilha cravada no coração. Na carruagem, além de Joaquim, viajam os revoltosos do golpe da Marinha Grande, feitos prisioneiros pela Polícia de Salazar, que cumprem a primeira etapa de uma viagem com destino a Cabo Verde, onde inaugurarão o campo de concentração do Tarrafal.
Dessas cartas e da mulher a quem se dirigiam ouvirá falar muitos anos mais tarde Eugénia, a jornalista encarregada de entrevistar um dos últimos sobreviventes desse inferno africano e cuja vida, depois do primeiro encontro com Joaquim, nunca mais será a mesma.
Separados pelo tempo, pelo espaço, pelos continentes, pela malária e pelo arame farpado, os destinos de Joaquim e Eugénia tocar-se-ão, apesar de tudo, no pêlo de um gato sem nome que ambos afagam e na estranha cumplicidade com que partilham memórias insólitas, infâncias sombrias e amores decididamente impossíveis.
Que Importa a Fúria do Mar é um romance de estreia com uma maturidade literária invulgar que coloca, frente a frente, duas gerações de um Portugal onde, às vezes, parece que pouco mudou.

O segredo da casa de Riverton, de Kate Morton


Ficha técnica
Título – O segredo da casa de Riverton
Autora – Kate Morton
Editora – Porto Editora
Páginas – 477
Datas de leitura – de 29 de agosto a 04 de setembro de 2016

Opinião
Estou com alguma dificuldade em pôr em palavras o quanto adorei regressar ao universo de Kate Morton… Nem sempre me debato com este género de dificuldades, contudo quando me entrego avidamente a uma leitura, dou frequentemente comigo a olhar para o teclado, sem ser capaz de acalmar o turbilhão que se desenrola na minha cabecinha…
Desse turbilhão que me assalta ainda hoje (depois de já ter devolvido o livro à estante há quatro dias), sobressaem expressões, títulos, autores, características literárias como Jane Eyre, O monte dos vendavais, Emily Brontë, Jane Austen, Downton Abbey, literatura inglesa, gótico, Heathcliff e Catherine… E destaca-se com mais clareza ainda que não é preciso que uma obra seja brilhantemente escrita, profunda, que levante questões intrínsecas à vida para que me conquiste e se cole a mim que pareça uma extensão das minhas mãos.
O segredo da Casa de Riverton possui assim características certeiras para uma rendição total. A autora recorre às mesmas ferramentas que recorrerá em O jardim dos segredos (cronologicamente esta última é posterior). Explora sobretudo duas épocas temporais – o presente e um passado algo longínquo – e estende entre os dois fios, teias que nos obrigam a querer ler mais uma página, mais um capítulo, mais. Num tempo e no outro a ação alimenta-se de personagens atraentes, dentro das quais se evidenciam duas protagonistas (mais uma vez femininas) fascinantes, detentoras de uma personalidade muito bem moldada e vincada, por quem me apaixonei e de quem me tornei a mais acérrima defensora. Por fim e não menos importante, o elo que prende os finais do século XX aos que intervalaram a Primeira Grande Guerra e os loucos anos 20 volta a ser uma entusiasmante aura de mistérios recheados com segredos familiares que obviamente só são desvendados bem no finzinho da obra.
Grace entra em Riverton aos 14 anos pela entrada de serviço e sairá de lá já uma mulher feita, conhecedora de todos os cantos daquela casa e da família que nela habita há várias gerações. Começará como criadita para todos os serviços e terminará como criada pessoal da senhora da casa. Observará como todas as decisões que tomar e como a sua visão da vida serão moldadas, influenciadas pelo que fizer, presenciar e participar no interior das paredes da casa de Riverton. Escapará de lá detentora da resposta ao mais terrível segredo que manchou a história da família Hartford. Carregá-lo-á consigo e apenas se libertará dele quando morre.
Hannah Hartford é a segunda filha de Frederick Hartford, o segundo filho de Lord e Lady Ashburn. É o paradigma da jovem aristocrática que pretende romper a todo o custo a malha de tradições e convencionalismos que a obrigam a ser um objeto vivo de decoração, cujos objetivos principais passam por saber um pouco de línguas, um pouco de música, um pouco das artes de bem receber e sonhar que a sua apresentação oficial à sociedade seja seguida de um bom casamento, com um bom marido que lhe dê uma boa prole com que se entretenha enquanto mulher casada.
Entre estas duas mulheres, provenientes de estratos sociais bem distintas nascerá uma relação de cumplicidade e confiança que determinará em muito o desenvolvimento e desfecho da ação. Para além delas, existe um bom leque de personagens mais ou menos secundárias mas que ajudam a colorir os cenários das duas épocas e tornar a leitura ainda mais agradável e emocionante. Destaco, por razões muito próprias, Robbie, Alfred, Mr. Hamilton, Sra. Townsend e Ursula.
No início deste texto referi que, do turbilhão de emoções e ideias que habitava a minha cabecinha, ressaltavam alguns títulos de obras e correspondentes autores, de uma série de televisão e características associadas. Downton Abbey foi, sem dúvida alguma, a série televisiva que mais me apaixonou nos últimos tempos. Por tudo. Pelo brilhantismo com que foi criada, pelo perfeccionismo e detalhe postos na contextualização epocal, na conceção de todo o elenco das personagens, na música do genérico… Enfim, a cereja no topo do bolo da genialidade das séries britânicas. Ao ler O segredo da casa de Riverton voltei a entrar em Downton Abbey – vi em Mr. Hamilton o mordomo Carson, a Sra. Townsend fez-me recordar Mrs. Patmore, Hannah tem traços de Mary Crawley e toda a mecânica associada ao pessoal, aos criados, o espaço na casa reservado aos mesmos, a deferência aos patrões, a noção de que tudo que se passa upstairs stays upstairs, a inexistência de uma vida própria fora dos muros de Riverton, ou seja, Grace, Nancy, Alfred. Mr Hamilton e o resto do pessoal apenas vivem para servir os senhores, enfim tudo isto e outras coisas mais permitiram um regresso nostálgico ao mundo da aristocracia britânica dos princípios do século XX.
Com esta obra retornei também aos clássicos da literatura inglesa do século XIX. Deixei que os amores doentios e desenfreadamente intensos de Catherine e Heathcliff me preenchessem enquanto os comparava à principal história de amor de O segredo da Casa de Riverton. Deixei que a aura gótica, misteriosa e de amores impossíveis da literatura romântica do século XIX se encostasse a mim enquanto devorava as páginas da obra de Kate Morton. Senti saudades de Jane Austen e das irmãs Brontë. E finalmente viajei, mais uma vez mas com o deslumbramento de uma primeira viagem, a momentos da História que me empolgam como ao meu filhote e à minha amiga Nancy lhe brilham os olhos, o rosto, a alma quando mencionam a palavra “chocolate”!
Resumindo, já vão dois livros de Kate Morton a que dou nota máxima. Venham os restantes três já publicados!

NOTA – 10/10

Sinopse
Como sobrevivem os que presenciam a tragédia?
Verão de 1924
Na noite de um glamoroso evento social, um jovem poeta perde a vida junto ao lago de uma grande casa de campo inglesa. Depois desse trágico acontecimento, as suas únicas testemunhas, as irmãs Hannah e Emmeline Hartford, jamais se voltariam a falar.
Inverno de 1999
Grace Bradley, de noventa e oito anos de idade, antiga empregada da casa de Riverton, recebe a visita de uma jovem realizadora que pretende fazer um filme sobre a morte trágica do poeta.
 Memórias antigas e fantasmas adormecidos, há muito remetidos para o esquecimento, começam a ser reavivados. Um segredo chocante ameaça ser revelado, algo que o tempo parece ter apagado mas que Grace tem bem presente.

 Passado numa Inglaterra destroçada pela primeira guerra e rendida aos loucos anos 20, O Segredo da Casa de Riverton é um romance misterioso e uma emocionante história de amor. 

Balanço mensal - livros lidos e adquiridos em agosto


Agosto trouxe na bagagem quatro leituras e uma releitura. Cinco viagens literárias muito diferentes. Umas mais apetitosas que outras. Mas através de todas elas, através de uma personagem, do enredo, das épocas, do estilo do autor, de uma determinada passagem, pude relaxar, banhar-me e besuntar-me de magia, de cumplicidade, de novas ideias e de muito, muito prazer e deleite.
Arranquei este mês de férias percorrendo as ruas de Madrid e respirando através das feridas do punhado de personagens que percorrem as páginas de Respirar por la herida, de Víctor del Árbol. Havia lido muitas opiniões favoráveis a respeito do autor e das várias obras que já publicou no país vizinho e decidi ser mais uma dos milhões de leitores que se renderam ao seu estilo “negro”. Não posso afirmar que me tenha rendido incondicionalmente, mas admito que Respirar por la herida não me deixou de maneira nenhuma indiferente e que a sua trama e sobretudo as suas personagens foram criadas por uma mão e uma mente muito hábeis e que sabem cativar o interesse do leitor, sobretudo daquele que se agarra a um género que mistura pinceladas policiais, de mistério e de sentimentos de dor, culpa, vingança e arrependimento.
Deixei para trás a literatura espanhola e escrita em espanhol e viajei em português para o mundo autobiográfico de Daniel Pennac. Recuei à sua infância e adolescência de um mau aluno e compreendi o quanto essa “má” experiência lhe forneceu as ferramentas necessárias para, enquanto professor, saber lidar da forma mais conveniente com alunos espelhos de si próprio. Contudo, ou por estar a mexer com assuntos de escola em mês de férias ou por sentir que Mágoas da Escola é excessivamente dissertativa em certas partes, encerrei a sua leitura algo desanimada, pois as expectativas não foram saciadas.
A terceira obra que me caiu nas mãos ganhou um cantinho muitíssimo especial na lista das melhores obras que já li até hoje. O leitor é um pequeno romance que tem que ser descoberto por todos aqueles que se pelam, como eu, por obras que nos atropelam e nunca mais os abandonam. Está maravilhosamente bem escrita e os seus protagonistas são personagens redondas, densas, que vamos “descascando” à medida que a ação avança e que nos arrepiam, nos atormentam e nos esgotam. Recomendadíssima!
Neste mês decidi regressar às releituras. Fi-lo com um autor de que gosto muito, mas algo aconteceu para que a entrega não tenha sido integral. Não me senti dona de A casa quieta como me havia sentido aquando da primeira visita. Por que razão isso ocorreu não sei… Poderia referir uma ou outra razão, mas nenhuma delas me satisfaria nem satisfaz. No entanto, aconselho a todos que conheçam o mundo literário de Rodrigo Guedes de Carvalho, porque não se arrependerão.
Encerrei o mês com mais uma leitura que não correspondeu ao que esperava da mesma. Carta à mulher do meu futuro parte de uma premissa arrebatadoramente promissora, mas perde-se esse arrebatamento logo nas páginas iniciais e nunca mais o encontra, já que o estilo do autor não se coaduna com a vontade férrea e avassaladora com que os protagonistas se agarram à vida e à promessa de um amor que os fará esquecer as atrocidades de que foram vítimas e sorrir perante o que está para vir.
 Como não poderia deixar de ser (simplesmente porque não consigo controlar-me), voltei a gastar dinheiro em livrinhos novos e, como tal, moram na minha estante três novos habitantes. Todos eles comprados em Espanha. Todos eles comprados no país vizinho porque, infelizmente, não são publicados cá. Dois deles far-me-ão embrenhar (mais uma vez, mas com o deslumbramento de sempre) em dois dos conflitos bélicos que mais me apaixonam e o terceiro far-me-á regressar à minha Margaret Mazzantini.
Volver a Canfranc, de Rosario Raro faz-nos viajar a Canfranc, onde se encontra a estação internacional ferroviária homónima, que liga Espanha a França. É lá que as personagens Laurent, Jana e Esteve, armadas somente com a sua valentia, sentido de honra e justiça e o amor ao próximo, tudo fazem para que cidadãos judeus escapem ao jugo nazi e alcancem a liberdade a que todos temos direito.
Cartas a Palacio será a minha estreia na escrita de Jorge Díaz. Apaixonei-me à primeira vista pela sua sinopse que nos informa que a obra baseia-se em factos e conta-nos os esforços evidenciados por um grupo de colaboradores do rei Afonso XII em ajudar famílias devastadas pela falta de notícias dos seus entes queridos que partiram para a guerra e de lá não voltaram.
 Esplendor é, creio eu, o mais recente romance de uma das minhas autoras de eleição – Margaret Mazzantini. Relembro que, para grande mágoa minha, esta escritora tem apenas dois romances traduzidos em Portugal, talvez porque o correspondente volume de vendas não atingiu os números desejados… Sendo assim, vi-me obrigada a voltar-me para edições estrangeiras, porque a outra opção nem se põe, ou seja, eu não consigo viver sem continuar a ler e a maravilhar-me com o que esta autora italiana tão maravilhosamente cria e escreve. O seu último romance aborda a história de amor entre dois homens numa sociedade contaminada pelo preconceito. Sei que vou render-me à sua leitura sem reservas nem qualquer tipo de rede e que no final estarei com sentimentos e sensações à flor da pele e que novamente agradecerei à vida ter-me feito embater com a literatura e os livros. Porque Mazzantini provoca tudo isso nos leitores que devoram e se deleitam com aquilo que põe no papel e partilha connosco, que somos afortunados por lê-lo.
Agosto foi assim um bom mês. Espero que o vosso também tenha sido.
Deixo-vos por fim o link que vos permite aceder à opinião completa das obras lidas este mês:
§  Respirar por la herida, de Víctor del Árbol
§  Mágoas da escola, de Daniel Pennac
§  O leitor, de Bernhard Schlink
§  A casa quieta, de Rodrigo Guedes de Carvalho
§  Carta à mulher do meu futuro, de Péter Gárdos