Ficha técnica
Título – O sol dos Scorta
Autor – Laurent Gaudé
Editora – Edições Asa
Páginas – 219
Datas de leitura – de 28
a 30 de abril de 2016
Opinião
“O calor do sol parecia fender a terra. Nem
um sopro de vento fazia estremecer as oliveiras. Tudo permanecia imóvel. O
perfume das colinas esvanecera-se. A rocha gemia de calor.” (pág. 13)
Assim
se abre a narrativa desta obra e, mal os meus olhos percorreram e assimilaram
este punhado de palavras, a minha mente viajou para paragens às quais o meu
corpo não se adapta, mas que me prendem com um fascínio quase inexplicável.
Fascinam-me as paisagens áridas, secas, de natureza bruta e aparentemente
estéril, onde apenas vingam as plantas, os animais e talvez as pessoas mais
resistentes, mais resilientes. Fascinam-me por isso as terras transmontanas,
beirãs ou alentejanas. Concordo plenamente com Miguel Torga quando se refere ao
Minho, dizendo que é demasiado verde e monótono.
A
narrativa desta obra espraia-se por terras do sul de Itália, terras que cheiram
a azeite, a oliveiras, a terra calcinada, a pedras aquecidas pelo sol, a um mar
de um azul sem fim, estendido como se uma toalha fosse, mas que nos atraiçoa
quando menos esperamos. Uma paisagem que exige dos seus homens suor, sangue e
lágrimas, uma dedicação que nem sempre é recompensada, já que nem sempre os
homens que nela vivem são bafejados pela sorte de colher de um punhado de terra
seca e pedregosa os frutos necessários para a sobrevivência. Mas que sabem, no
seu mais íntimo, que nenhuma sensação, nenhuma felicidade suplantará aquela que
resulta de deter nas mãos o resultado dessa labuta árdua, dessa luta desigual
entre a força humana e a força da natureza.
“É preciso aproveitar o suor. É isto que eu
digo. Porque são os melhores momentos da vida. Quando nos batemos por uma
coisa, quando trabalhamos dia e noite como danados e nem temos tempo para ver a
mulher e os filhos, quando suamos para construir o que desejamos, vivemos os
melhores momentos da vida.” (pág. 138)
Como
o título indica, esta obra é sobre os Scorta, uma família de ladrões, de
rejeitados, de filhos produto de violações ou de casamentos estranhos, em cujas
veias corre sangue com laivos de loucura, de obsessão e que os levam a cometer
atos demoníacos, cruéis e obviamente despojados de qualquer indício de humanidade.
Acompanhamos várias gerações dos Scorta, desde os finais do século XIX aos
finais do século seguinte e por muito que me tenham repugnado algumas das suas
atitudes, sobretudo as dos homens das primeiras gerações, fui obrigada a
render-me à tenacidade, à inquebrável união de sangue existente entre Domenico,
Guiseppe e Carmela; ao orgulho e prazer que Rafaelle punha nas palavras quando
afirmava que era um Scorta; ao esforço que os quatro fizeram, dia após dia,
para conseguir o seu lugar na aldeia natal, para sentir que pertenciam àquele
lugar; à cumplicidade e comunhão entre todos os membros dos Scorta que os leva a
nunca mais endireitarem-se quando a morte de um deles quase os derruba; à força
que transmitem a quem priva com eles… Enfim, são personagens fictícias, mas o
autor foi de tal forma engenhoso e brilhante na sua construção, na sua moldagem
que, apesar de estarmos perante uma obra de ficção, sentimo-nos naquelas
paragens inóspitas e ardentes do sul de Itália (tão próximas de paragens
portuguesas) e sobretudo sentimos que entramos em casa das suas gentes, dos
seus humildes habitantes e que reconhecemos a sua personalidade muito vincada,
de almas simples, remediadas, mas que nunca baixam os braços perante a
adversidade. Que abraçam a morte com a sensação de dever cumprido.
Por
tudo isto, adivinha-se que O sol dos
Scorta me proporcionou uma leitura muito proveitosa. Gostei muito do
estilo simples e direto do autor, saboreei com muito gosto a “viagem” até ao
sul de Itália e o sentimento de proximidade que retirei da mesma, criei muita
empatia com praticamente todas as personagens, fui até às lágrimas sobretudo
com a de Donato e amei sentir-me mais uma convidada num banquete oferecido por
Rafaelle a toda a família e que, para mim, resume o que pode ser a felicidade –
uma reunião familiar, comida farta na mesa, apetite saciado e principalmente o
sentimento de felicidade, de pertença, de cumplicidade, de amor, de proteção
que une quem lá está.
Resta-me
agradecer-te, Ana Sofia, por me teres emprestado esta preciosidade que
seguramente não leria se não mo tivesses recomendado. Obrigada por esta viagem!
Valeu mesmo a pena!
NOTA
– 09/10
Sinopse
Prémio Goncourt de 2004
Depois de ter passado
quinze anos na prisão, Luciano Mascalzone regressa a Montepuccio, uma pequena
aldeia do sul de Itália onde as horas passam debaixo de um calor inclemente.
Luciano vem à procura de Filomena Biscotti, uma mulher que desde a juventude deseja
profundamente, mas ignora ainda que quem lhe abrirá a porta de casa e se
deixará violar será Immacolata, a irmã mais nova de Filomena. Espancado pelos
habitantes da aldeia, Luciano morre sem saber que Immacolata dará à luz um
filho, o primeiro elo da linhagem dos Scorta…
Com uma imaginação que
atingiu o seu esplendor e com a musicalidade de um estilo único, Laurent Gaudé
conta-nos a existência dos Scorta de 1870 aos nossos dias, num fresco fabuloso
que obteve em 2004 o mais importante prémio literário francês, o Goncourt.
Olá Ana,
ResponderEliminarÉ por isto que gosto de visitar aqui no teu cantinho. Fico sempre a conhecer novos autores e novos livros. Este é mais um que desconhecia. E parece tão bom.
A lista não pára de aumentar :)
Beijinhos e boas leituras
Oh, Isa, e eu gosto muito que o visites, tal como gosto muito de visitar o teu jardim :)
ResponderEliminarSim, este livro vale muito a pena, acredita!
E a lista a aumentar faz-nos sentir aquele arrepiozinho de satisfação... tão bom!!!
Beijinhos e boas leituras!