Corações em silêncio, de Nicholas Sparks

Sexta-feira, 25 de setembro de 2015






Opinião
Tal como admiti na opinião que escrevi sobre Nada, de Carmen Laforet (ver aqui), a minha sanidade mental gritava por uma obra lamechinhas e bem previsível J
Depois de algumas horas cuscando em estantes e na blogosfera e de ouvir algumas sugestões de amigos, deparei-me com Corações em silêncio, de Nicholas Sparks e pensei: Por que não? Este autor norte-americano é sobejamente conhecido pelas suas histórias carregadas de sentimentalismo, de almas atormentadas pelo amor e de momentos bem propícios à lamechice e ao derramar de lágrimas. Ou seja, exatamente aquilo de que estava a precisar J
Corações em silêncio arranca com um dramático acidente de automóvel provocado por uma tempestade fortíssima, daquelas que assolam com frequência os estados sulistas dos Estados Unidos. No automóvel acidentado viajavam mãe e filho e, momentos após o embate contra uma árvore, a mãe, Denise, recupera de uma perda de consciência e apercebe-se de que o filho de quatro anos não se encontra no banco de trás e que se havia adentrado na floresta sem deixar rasto. Desesperada, pede ajuda a um homem que entretanto chegara junto a si e que, por sorte, é bombeiro e rapidamente aciona os meios possíveis para o resgate da criança.
Este é assim o ponto de partida de uma narrativa que reúne os ingredientes necessários para prender-nos a atenção e para querermos avançar página atrás de página e acompanharmos bem de pertinho as vidas dos protagonistas. É claro que, para os meus gostos, é uma narrativa previsível, isto é, não foi preciso muito esforço da minha parte para compreender que iria haver um envolvimento amoroso entre Denise e o bombeiro, Taylor, que esse envolvimento teria os seus altos e baixos e que um deles possuiria algum segredo relacionado com uma tragédia familiar e que esse mesmo segredo seria o grande obstáculo a ultrapassar para que houvesse o desejado final feliz. Contudo, por muito que essa previsibilidade estivesse presente, confesso que não prejudicou o prazer que senti ao longo da leitura nem o bem-estar que me proporcionou. Escolhi este género de obra com o propósito já conhecido – fazer um parêntesis nas leituras que mais me preenchem, distanciar-me por algumas horas do denso, do complexo e relaxar com o romântico, com o lamechas, com o cor-de-rosa, com os contos de fadas mais próprios da adolescência, mas que ainda conseguem mexer comigo passados vinte e tal anos J
Por tudo o que foi referido, tenho que agradecer a Nicholas Sparks e a Corações em silêncio porque cumpriram com as minhas “exigências” – foram a desejada lufada de ar que não só afastou a sensação de angústia e o peso na alma que a leitura das anteriores obras havia deixado em mim como também me pôs com a pica toda …
Agora toca a regressar à prateleira da estante onde estão à minha espera (por ordem cronológica J) as obras que ainda não li e dar início a um desafio muito poucas vezes experimentado – ler duas obras ao mesmo tempo!!!

NOTA – 08/10 (de acordo com os critérios que atribuo a este género de obras e não propriamente com os meus gostos pessoais)

Sinopse

Confrontado com situações de extremo perigo, Taylor McAden, bombeiro voluntário, expõe-se até ao limiar do perigo. Denise é uma jovem mãe solteira, cujo filho de cinco anos sofre de um inexplicável atraso de desenvolvimento e a quem ela devota a sua vida numa tentativa de o ajudar. Mas o caso vai aproximar estes seres. Numa noite de tremendo temporal, Denise sofre um acidente de automóvel e é Taylor quem vem socorrê-la. Embora muito ferida, a jovem depressa toma consciência de que o filho já não se encontra na sua cadeirinha do banco traseiro. Taylor irá até ao fim de uma angustiante noite de buscas para o encontrar. Foram tecidas as primeiras malhas que os irão unir, e o pequeno Kyle desabrocha ao calor da ternura daquele homem. Denise abandona-se à alegria de um amor nascente. Mas Taylor tem em si cicatrizes antigas, que o não deixam manter compromissos de longa duração. Nicholas Sparks, esse talentoso contador de histórias, intervém com a sua magia redentora e a sua inigualável capacidade de aprofundar a complexidade das relações e dos afectos.

Nada, Carmen Laforet

Quarta-feira, 23 de setembro de 2015




Opinião
Vinte e quatro horas depois de ter encerrado a leitura de Nada, ainda me sinto atordoada… Tão atordoada, mas tão atordoada que, pela primeira vez em muitos anos, não sei que livro ler a seguir… Só sei que o meu inconsciente me grita que tenho que escolher um livro que contenha uma historiazinha banal, levezinha, lamechitas, previsível e que não me faça pensar muito… Um livro de Nicholas Sparks, por exemplo!... E é neste momento que quem me conhece está de certeza a fazer caretas de espanto e a exclamar algo de género – “Caramba, ficaste mesmo abalada com essa última leitura para quereres algo previsível e lamechas como as obras de Nicholas Sparks!
Não tenho intenção de, com isto, desrespeitar este autor de bestsellers e seus admiradores. Pelo contrário, sempre afirmei que o importante é ler, ler muito, seja o que for, literário ou não, qualquer género e consequentemente qualquer autor. Mas a bagagem literária que carrego já não me permite apreciar tudo com o mesmo prazer, com a mesma sede. Como tal, os meus gostos atuais ditam que compre e leia obras mais complexas, mais densas, que não ocupam frequentemente os tops de vendas. Contudo, sobretudo depois de ter lido O luto de Elias Gro e este Nada, é realmente urgente que faça uma pausa em leituras densas, complexas, carregadas de tristeza e ambientes estranhos, doridos e quase psicopatas… Para bem da minha sanidade mental J
Adquiri Nada sem saber muito sobre a sua autora e sobre a própria obra. Tinha lido e ouvido muitos comentários favoráveis, sabia que havia ganho um importante prémio e que retratava a cidade de Barcelona do pós-guerra civil. A sinopse adiantava pouco mais, dando algumas informações sobre a protagonista e sobre a razão pela qual vem viver para a capital catalã. Por isso, tenho consciência de que entrei às escuras nas suas páginas e que só agora percebo por que motivo Vargas Llosa o caracteriza como um “belo e terrível romance”… Porque definitivamente o é. A sua história é soberba, mas demoniacamente soberba. As personagens estão maravilhosamente bem construídas, mas revelam comportamentos e personalidades doentias, perversas, violentas e que, como é óbvio, não deixam nenhum leitor indiferente, longe disso, intrometem-se no nosso pensamento e mexem connosco de uma maneira algo incomodativa. Para além disso, a sua protagonista, Andrea, uma jovem universitária que desejava ardentemente viver em Barcelona, revela, desde que “aterra” no inferno que é a casa dos seus familiares, atitudes de anti heroína, pois é contraditória no que faz, mostra-se apática perante o ambiente atroz que a rodeia e demonstra que “(…) de nada vale correr, se vamos sempre pelo mesmo caminho, fechado, da nossa personalidade. Alguns seres nascem para viver, outros para trabalhar, outros para ver a vida. Eu tinha um pequeno e mau papel de espectadora. Para mim, era impossível sair dele. Impossível libertar-se.” (pág. 190)
Sendo assim, Nada proporcionou-me uma leitura antitética, que atrai e repugna. Tal como me atraiu e repugnou a leitura de O meu irmão, de Afonso Cabral. Entre estas duas obras, há muitas semelhanças. Por um lado, estão extremamente bem escritas, com personagens densas, que não nos conquistam (excetuando a avó de Andrea, a quem me apeteceu apertar num abracinho ternurento) e que se movimentam em ambientes saturados de sordidez, desprezo, violência e ausência de afetos. Por outro, Carmen Laforet tinha 23 anos quando escreveu Nada e Afonso Cabral pouco mais velho é – ou seja, quase duas crianças, recém-saídas da adolescência e que foram capazes de criar duas obras com laivos de maturidade e genialidade que não estão ao alcance de muitos escritores bem mais entrados na idade e na experiência de vida.
Resumindo, Nada não deixará ninguém indiferente. Quem se atrever a lê-la, entrará numa viagem sem regresso, que bulirá com todas as nossas fibras e nos deixará atarantados… com uma vontade louca de fugir, esquecer tal narrativa tortuosa… Mas… é nessa tortuosidade que está patente a mestria de Carmen Laforet.
Agora que venha uma obra lamechitas e bem previsível… Eu bem preciso de uma leitura assim J

NOTA – 08/10

Sinopse

«Nada» é a história de Andrea. Chegada a Barcelona para seguir os seus sonhos, Andrea fica hospedada na rua Aribau, em casa de familiares. Aqui, descobrirá um mundo muito diferente do seu, feito de personagens ambíguas e conturbadas, que vivem numa humilhante pobreza os cruéis anos da ocupação franquista da cidade. Será neste ambiente psicótico que, ao longo de um ano, Andrea crescerá, ao mesmo tempo que descobre a cidade, ganha novas amizades, e traça o caminho para a vida adulta.

«Nada» é o romance que revolucionou a literatura e agitou a sociedade espanhola.

O luto de Elias Gro, de João Tordo

Quarta-feira, 16 de setembro de 2015





Opinião
Um homem subjugado pela dor deixa a sua vida para trás e parte. Parte para refugiar-se numa ilha no outro lado do Atlântico, onde não conhece ninguém. Aliás, esse é um dos objetivos da sua fuga – tudo que lhe é próximo, que lhe é conhecido fica e consigo apenas leva o essencial para sobreviver. Porque é disso que se trata – sobreviver a uma perda que nos tira o chão e a vontade de viver.
Este homem é o nosso narrador. Vai partilhando connosco a viagem que o transportou a essa ilha do outro lado do oceano, os dias afogados em álcool que vive num farol que arrenda e os encontros/desencontros com alguns dos poucos habitantes insulares, com quem vai esbarrando casualmente. Vai igualmente deixando que espreitemos as lutas que vai combatendo com os demónios que o atormentam a qualquer hora do dia, sobretudo à noite, quando já emborcou copos e copos de whisky na tentativa infrutífera de afundar-se numa inconsciência alcoólica que o impeça de pensar e de recordar.
Contudo, as recordações não desaparecem. Nem com litros e litros de whisky. Assombram-no, martirizam-no constantemente, mas para o leitor são benéficas, pois vão-nos permitindo entrar na vida passada do protagonista e perceber o que está por detrás de tanta dor e de tanta vontade de deixar de resistir, de viver.
Nas poucas horas que não está a afogar-se em álcool, o narrador vai, como já referi, entabulando conversas com alguns dos habitantes e a contragosto vai conhecendo os seus hábitos, as suas histórias, as suas rotinas. Desses habitantes destacam-se três – Elias Gro e a sua filha pré-adolescente, Cecília, e Alma. Serão eles que tentarão penetrar na carapaça que o narrador construiu à sua volta, serão eles que, por um lado, lhe darão o espaço que ele necessita para viver a sua dor e, por outro, lhe contarão as suas próprias experiências, lhe farão ganhar algum interesse pela ilha e pelos seus habitantes (vivos ou mortos), o alimentarão, o tratarão com compaixão e bulirão com os seus nervos com pedidos estranhos e atitudes que o obrigam a viver e a interagir.
Dessas personagens “mais secundárias” destaco Cecília e o seu pai.
É impossível não simpatizar com Cecília e a sua personalidade de menina perspicaz, com uma inteligência e sensibilidade aguçadas. Tem sempre uma pergunta pronta para ser feita, não se contenta com qualquer resposta, põe em causa muitas das afirmações que ouve da boca do narrador e não se apieda da sua dor, torcendo, por exemplo, o nariz ao seu aspeto desmazelado e malcheiroso. É uma menina precoce, que por tudo e por nada mostra o interesse e conhecimento que possui sobre os ossos do corpo humano (na parte final da obra saberemos o porquê desse interesse), que nos cativa por tudo isto e a quem me apeteceu, muitas vezes, embalar no colo…
Por sua vez, o seu pai, Elias Gro dá título à obra, apesar de, aparentemente, ser uma personagem secundária… Pode, à primeira vista, ser uma contradição, mas, à medida que a leitura avança e vamos sabendo mais deste pai e único padre da ilha, compreendemos que, por muito diferentes que sejam, entre o narrador e Elias Gro existe um profundo paralelismo e que ajudará o primeiro a regressar à vida.
O luto de Elias Gro é a quinta obra de João Tordo que leio. Confesso que não me arrebatou como a anterior, Biografia involuntária dos amantes, mas proporcionou-me momentos de intensa sintonia com o narrador e demais personagens. Senti as suas dores, vivi as suas tormentas e a personalidade de Cecília desarmou-me de tal forma que não quis abandoná-la, particularmente na última página da obra, onde num parágrafo algo longo, o autor, juntando palavras particularmente belas e a transbordar de sentimento, me fez chorar com a fórmula perfeita para encerrar uma história triste, dorida – como todas as que já li de João Tordo – mas com aquela pincelada de esperança e de redenção.
Não quero terminar esta opinião sem deixar aqui registado um paralelismo que só me ocorreu horas depois de ter chegado ao fim da leitura e ainda estar a sentir o sabor que a obra deixou e a despedir-me dela devagarinho. João Tordo foi o tradutor da versão inglesa de Rosa Candida, da autora islandesa com um nome impossível de lembrar. Ora, nesse romance o protagonista, tal como o de O Luto de Elias Gro, deixa a sua terra natal e parte para um destino longínquo, que nunca sabemos exatamente onde se localiza, para esquecer a sua vida passada… Coincidência? Ou será que não?... Talvez nunca saberemos…

NOTA – 09/10

Sinopse
Numa pequena ilha perdida no Atlântico, um homem procura a solidão e o esquecimento, mas acaba por encontrar muito mais.
A ilha alberga criaturas singulares: um padre sonhador, de nome Elias Gro; uma menina de onze anos perita em anatomia; Alma, uma senhora com um coração maior do que a ilha; Norbert, um velho louco que tem por hábito vaguear na noite; e o fantasma de um escritor, cuja casa foi engolida pelo mar.
O narrador, lacerado pelo passado, luta com os seus demónios no local que escolheu para se isolar: um farol abandonado, à mercê dos caprichos da natureza - e dos outros habitantes da ilha. Com o vagar com que mudam as estações, o homem vai, passo a passo, emergindo do seu esconderijo, fazendo o seu luto, e descobrindo, numa travessia de alegria e dor, a medida certa do amor.

O luto de Elias Gro é o romance mais atmosférico e intimista de João Tordo, um mergulho na alma humana, no que ela tem de mais obscuro e luminoso.

As recordações, de David Foenkinos

Quinta-feira, 10 de setembro de 2015




Opinião
Descobrir um novo autor é sempre promissor. Os dias ou horas que passo na sua companhia têm sempre algo de detectivesco, pois ao prazer da leitura juntam-se a curiosidade, alguma desconfiança, a máxima atenção e uma vontade secreta (ou talvez não) de que esse autor novo nos conquiste irremediavelmente! J
David Foenkinos conseguiu-o com a sua obra As recordações. Conseguiu ir derrubando a desconfiança e alguma estranheza iniciais, foi-me conquistando à medida que a leitura avançava e no final, ainda com a recordação das últimas passagens da obra, ganhou uma leitora que quer a todo custo ler as suas outras obras!
Tropecei no nome deste autor francês numa das inúmeras deambulações que faço pelo mundo virtual à cata de novidades. Encontrei num site estrangeiro referências à sua última obra – Charlotte – e fiquei entusiasmadíssima com a sua sinopse. É óbvio que o passo seguinte foi saber se havia alguma obra sua traduzida. Sim, havia duas editadas pela Presença. Assim, aproveitando uma das frequentes promoções que felizmente editoras e livrarias nos vão oferecendo, comprei As recordações, publicada em 2014 e cuja sinopse me cativou por mencionar que a história se desenrolaria à volta das recordações que temos de nós mesmos, das outras pessoas e sobretudo do quanto os avós marcam as nossas vidas.
Narrada na primeira pessoa, por um jovem algo desencantado com a vida e consigo mesmo, a história de As recordações está dividida em pequenos capítulos que alternam episódios da vida do protagonista e de gente próxima a ele com outros (escritos em itálico) de personagens verídicas e de outras que fugazmente atravessam a rotina do nosso narrador.
Chovia tanto no dia em que o meu avô morreu que eu mal conseguia ver” (pág. 7)
É assim que tudo se inicia – a desilusão e a tristeza que o narrador sente por não ter dito ao avô o quanto o amava antes de ele partir são o ponto de partida para que se desfiem recordações, divagações, pensamentos e impulsionem de alguma forma o nosso narrador a passar mais tempo com a avó, a não cometer com ela a mesma falta que cometeu com o seu marido e a tentar aproveitar toda uma amálgama de sentimentos e situações para a concretização do objetivo que tem sido indefinidamente protelado e que daria um sentido à vida do protagonista (de quem não sabemos nunca o nome) – a criação de um livro, de um romance.
Toda a obra está maravilhosamente bem escrita, com uma linguagem poética, serena, intimista e que nos fala às emoções. Confesso que a princípio não me conquistou totalmente, talvez pela referida atitude detectivesca que adoto quando estou a conhecer um autor pela primeira vez. Contudo, conforme ia passando de página para página, tive que pôr de lado qualquer resistência que ainda sobrasse porque tudo na obra me arrebatou – as personagens tão próximas da realidade, as situações rotineiras e as emoções contraditórias que nos assolam mesmo quando estamos perante alguém que nos é tão querido, que sabemos que não estará connosco muito mais tempo e, ainda assim, agradecemos a chegada de uma mensagem de texto que interrompe os últimos e lentos minutos da vida desse alguém tão importante para nós:
 “Às tantas, o meu telemóvel anunciou uma nova mensagem. Fiquei em suspenso, mergulhado numa falsa hesitação, porque, lá no fundo, senti-me feliz com aquela mensagem, feliz por ter sido arrancado ao torpor, nem que fosse por um segundo, nem que fosse pela mais comezinha das razões. Já não sei ao certo qual era o conteúdo da mensagem, mas lembro-me que respondi de imediato. Assim, e para sempre, esses escassos segundos sem significado parasitam a memória deste momento crucial. Sinto uma culpa terrível por essas dez palavras enviadas a uma pessoa que não significa nada para mim. Nessa altura, acompanhava o meu avô no seu caminho para a morte e, por todos os meios, procurava forma de não estar presente.” (pág. 8)
Esta é apenas uma das muitas e muitas passagens com que identifiquei em absoluto e que gastaram o bico do lápis que me acompanha para os sublinhados de tudo o que me diz algo em cada leitura. E é por causa desta e das outras passagens que me sinto obrigada a acrescentar A delicadeza (a segunda obra do autor, anterior à que li, publicada pela Presença) à minha wishlist e pedir encarecidamente à referida editora ou a outra qualquer que publiquem Charlotte, o mais recente romance de David Foenkinos, que, por coincidência ou não, é sobre Charlotte Salomon, uma pintora judia e uma das muitas personagens verídicas que ocupam os episódios em itálico (neste caso o episódio retratado no capítulo 44) que se entrelaçam em As recordações com episódios ficcionais.
As recordações é assim uma leitura recomendadíssima e obrigatória para quem se quer perder dentro de uma narrativa deliciosamente poética e tão próxima do que preenche as nossas vidas! Vale mesma a pena! Não se arrependerão!

NOTA – 09/10

Sinopse
«”No seu lugar, eu refugiar-me-ia numa recordação.” Sim, foi isso que ele disse e, depois, acrescentou: “Iria para um lugar onde tivesse sido feliz. Na sua idade, era certamente o que eu faria.”»
Quando a avó do narrador foge do lar onde se encontra a viver, este sabe que não pode ficar de braços cruzados à espera de ver as autoridades agirem. Mas que sabemos nós das recordações das outras pessoas?...

Em As Recordações, David Foenkinos oferece-nos uma reflexão plena de sensibilidade sobre o tempo, a memória, a velhice, os conflitos de gerações, o amor conjugal, o desejo de criar e a beleza do acaso.

Rescaldo da "obrigatória" ida à Feira do Livro

Quarta-feira, 09 de setembro de 2015





A tradição cumpriu-se, como fazemos cá em casa questão que se cumpra. No passado domingo, rumámos até à Invicta e desfrutámos de umas horas deambulando pela avenida das tílias dos jardins do Palácio de Cristal. Cuscámos todos os stands, engolimos muito pó e no final trouxemos em bonitas sacas de papel seis livros – três para o pequenote cá de casa e três para os adultos cá de casa.
Pode dizer-se que de mãos a abanar não viemos, mas creio que apenas o pequenote veio satisfeito… Tal como já vem acontecendo nos últimos anos, a Feira do Livro voltou a ter um sabor muito agridoce, pelo menos para mim. É verdadeiramente frustrante ter consciência de que a magia, o entusiasmo, a ansiedade e a loucura que sempre estiveram associados a todas as visitas que fazia a edições anteriores, nas quais tinha que morder, abafar a vontade incontrolável que me possuía e comprar apenas quatro ou cinco livros das dezenas que queria trazer comigo, estão a desaparecer (e a uma velocidade considerável) para dar lugar a um desânimo que suspeito me fará voltar costas a uma tradição tão querida…
Porquê, poderão perguntar, por que razão a Feira do Livro já não é o que era para mim? Posso enumerar várias razões: em primeiro lugar, porque os meus gostos vão mudando, já não me satisfaz qualquer história e, infelizmente, muitos dos autores e obras que me preenchem passam ao lado do grande público, não vendem o suficiente e “são esquecidos”; segundo e consequência do que referi, as editoras maioritariamente apostam e trazem para a Feira nomes e histórias que ocupam os primeiros lugares do top de vendas e que pouco me atraem; terceiro, continuo a achar que os descontos feitos durante os dias da Feira não são chamariz suficiente para que eu espere por eles para comprar aquele livro tão desejado – todos os meses a Bertrand ou a Fnac promovem os mesmos descontos, inclusive em novidades; finalmente, não gosto muito desta modalidade que voga agora nas últimas edições da Feira do Porto. Sei que houve desavenças entre a APEL e a Câmara do Porto, que estas ainda não foram solucionadas, mas o modelo de organização que está por detrás da edição deste ano (e esteve na do ano passado) não é do meu agrado, porque é mais confuso, não sei onde dirigir-me para encontrar uma obra de uma qualquer editora e encontro o mesmo livro em diferentes bancas (sem que isso seja vantajoso para a nossa bolsa, porque normalmente o desconto é o mesmo ou inferior). Sei que, com tudo isto, posso estar a ser de alguma forma injusta, mas o que seria ideal seria voltarmos a ter o mesmo modelo das edições da Avenida dos Aliados ou das do Pavilhão Rosa Mota, com espaço para todos os alfarrabistas que se encontram hoje em dia na Feira e que as editoras não tivessem apenas em conta o seu lucro e também apostassem em autores menos comerciais como Margaret Mazzantini ou Fernando Aramburu ou Mario Benedetti.
Para terminar um texto que me está a custar muito a escrever (já basta a chuva que cai lá fora para deixar-me melancólica), resta-me dizer que não me sinto animada com a perspetiva de visitar a edição de 2016 (se ela se realizar, espero que sim) da Feira do Livro. Estou algo farta de sair de lá carregada com poucos livros e muita frustração…
Deixo-vos a lista dos livros que comprámos (para nós, adultos, e para oferecermos)
- A balada de Adam Henry, de Ian McEwan
- Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra, de Mia Couto
- Palmeiras na neve, de Luz Gabás

A amiga genial, de Elena Ferrante

Sábado, 05 de setembro de 2015




Opinião
Uma ida matinal ao cabeleireiro foi o pretexto ideal para devorar as páginas finais de A amiga genial, livro que me acompanhava desde o primeiro dia deste mês.
O nome de Elena Ferrante, a autora, está envolto numa onda de mistério. É o pseudónimo de uma escritora italiana, da qual pouco ou nada se sabe, já que a mesma expressamente deseja que assim seja – para ela, o importante, o essencial são os livros, que, uma vez escritos, para nada precisam dos seus criadores. Se tiverem uma mensagem, algo para dizer, com certeza encontrarão quem os leia e esses leitores, que encontram e são encontrados pelos livros, não necessitam dos supérfluos pormenores biográficos dos escritores.
Já troquei comentários com variadas pessoas sobre A amiga genial e todos foram carregados de opiniões mais do que positivas. Já é do conhecimento público que é o primeiro volume de uma tetralogia. Já foi inclusive lançado pela editora Relógio d’Água o segundo volume – História do novo nome. A minha querida amiga literária, Ana Sofia, acabou de lê-lo há pouquinho tempo e confidenciou-me que é avassalador. Tudo isto são motivos suficientes para aguçar a nossa curiosidade e para impelir-nos a entrar de bom gosto no mundo da misteriosa e talentosa Elena Ferrante.
Tal como referi, A amiga genial é o primeiro volume da apelidada tetralogia de Nápoles e traz-nos a história de duas amigas – Elena (Lenú) e Lila. Logo nas suas páginas iniciais (no prólogo que abre A amiga genial) nos apercebemos de que o mote para a criação desta tetralogia está centrado no momento presente, no qual Lila, já com a idade de sessenta e seis anos, desapareceu sem deixar absolutamente qualquer rasto. Este desaparecimento deixa Elena “deveras irritada” e é a perfeita desculpa para que esta se sente ao computador e comece a escrever “os pormenores da nossa história, tudo aquilo que me ficara na memória.” (pág. 16).
Assim, o volume que terminei de ler narra a infância e adolescência das duas amigas, sobretudo na perspetiva de Elena, a sua narradora. Acompanhamos o turbulento início da amizade, a cumplicidade das duas, o seu afastamento por causa dos dissabores da vida e um reaproximar que fica momentaneamente interrompido por um final intenso e que nos deixa em desespero, numa ansiedade louca pelo volume que se segue. Em linhas gerais este será o resumo (muito resumido) da trama da obra. Contudo, o que nos prende, o que nos agarra, o que nos verga perante o talento indiscutível desta autora italiana é muito mais do que isto…
Elena Ferrante é possuidora de uma escrita visceral, carnal, crua, sem paninhos quentes, mas que retrata magistralmente a realidade humana, plena de contradições, de sentimentos ambíguos, de egoísmos, de medos, de invejas, de ciúmes, de violência. É impossível não ficarmos rendidos às vivências do bairro suburbano e pobre onde coabitam as famílias de Elena, Lila e de outras personagens que estão presentes no seu dia-a-dia. Ao longo da obra, o espaço predominante é esse mesmo e página após página sentimo-nos lá, somos espetadores da rotina de um punhado de famílias, de tal forma bem construídas, com tradições e costumes muito enraizados, nas quais o patriarca distribui pouco afetos e muita pancada, a mulher reflete no rosto a submissão, o rancor por essa vida submissa e sem perspetivas e as crianças sabem desde tenra idade comportar-se como uma enguia para assim por vezes escapulir-se de situações de violência e por outros procurá-las, confrontá-las.
Podemos dizer que Lila e Elena são o espelho dessas crianças e ao mesmo tempo são o seu oposto. Elena é das pouquíssimas crianças que têm possibilidades de prosseguir estudos e Lila… bom, Lila é uma força da natureza, de uma natureza maléfica, contraditória, inteligentíssima, autodidata, que luta com todas suas forças para manter-se no seu bairro de sempre, mas realizando os seus sonhos – tornar-se rica, sair de uma vida pobre através da escrita, dos seus desenhos, da criação de sapatos ou de um casamento.
Elena e Lila são igualmente o oposto uma da outra – Elena é tímida, medrosa, procura o afeto e a aprovação dos outros, sabe que tem que estudar e dedicar-se horas e horas ao estudo para poder ser a primeira da classe e nunca, em momento algum, se sente completamente segura de si e do seu valor, nem mesmo quando Lila lhe chama de sua amiga genial. Por outro lado, Lila, desde tenra idade, mostra não ter medo de nada nem de ninguém, nunca foge a um desafio e se não fosse pelas circunstâncias de uma vida pobre, possuiria todos os atributos para ser genial, pois é dona de uma capacidade e de uma inteligência raras. Contudo, mesmo sendo assim tão distintas, estas duas raparigas têm uma amizade forte, que vai resistindo a muitos percalços e que as unirá, de uma forma ou de outra, para toda a vida.
Neste ponto de uma opinião que vai longa, tenho que refrear a minha vontade de seguir desvendando mais da narrativa e centrar a atenção no que está por detrás da sua criação e que me fez render ao estilo e escrita de Elena Ferrante. São magníficas a habilidade e competência da autora de oferecer-nos, como já disse, uma história que espelha a realidade de uma Nápoles pobre, patriarcal, de gente que passa de geração em geração superstições, medos, ódios e rumores e que dispara violência para tudo e para todos. É também magistral a construção das personagens, sobretudo a das duas protagonistas e dos sentimentos ambivalentes que as une. Desde o minuto em que vê pela primeira vez Lila até ao momento presente, até à altura em que esta desparece (“Vamos ver quem vence, desta vez, disse para mim” – pág. 16), Elena tem consciência de que sente atração e repulsão pela amiga, que se sente diminuída na sua presença, que ser a primeira da classe, obter classificações brilhantes e elogios pela parte dos professores é abafado, espezinhado pelo carácter, pela determinação, pela rebeldia e por fim pela beleza da sua amiga – “Portanto, eu era segunda em tudo” (pág. 39). É ainda irrepreensível o conhecimento que Ferrante demostra possuir de tudo que caracteriza e compõe as etapas da infância e da adolescência. Um dos exemplos que ainda se mantém comigo desse conhecimento está bem espelhado nos princípios da amizade de Elena e Lila, em que as duas, sobretudo a primeira, são possuídas dos habituais medos irracionais (mas que nos paralisam enquanto crianças) de papões, sítios habitados por monstros horrendos e seres terríveis dos quais temos que estar mais afastados possível.
A amiga genial (e o resto da tetralogia, arrisco-me a dizer) é assim uma leitura obrigatória e só posso agradecer à minha querida Ana Sofia pela dica preciosíssima J

Leiam Elena Ferrante. Leiam A amiga genial e A história do novo nome (já publicado pela Relógio d’Água). Leiam Crónicas do mal de amor, que reúne três imperdíveis pequenos romances desta autora. Não se irão arrepender!

NOTA – 09/10

Sinopse

"A Amiga Genial" é a história de um encontro entre duas crianças de um bairro popular nos arredores de Nápoles e da sua amizade adolescente. Elena conhece a sua amiga na primeira classe. Provêm ambas de famílias remediadas. O pai de Elena trabalha como porteiro na câmara municipal, o de Lila Cerullo é sapateiro. Lila é bravia, sagaz, corajosa nas palavras e nas ações. Tem resposta pronta para tudo e age com uma determinação que a pacata e estudiosa Elena inveja. Quando a desajeitada Lila se transforma numa adolescente que fascina os rapazes do bairro, Elena continua a procurar nela a sua inspiração. O percurso de ambas separa-se quando, ao contrário de Lila, Elena continua os estudos liceais e Lila tem de lutar por si e pela sua família no bairro onde vive. Mas a sua amizade prossegue. "A Amiga Genial" tem o andamento de uma grande narrativa popular, densa, veloz e desconcertante, ligeira e profunda, mostrando os conflitos familiares e amorosos numa sucessão de episódios que os leitores desejariam que nunca acabasse. «Elena Ferrante é uma das grandes escritoras contemporâneas.» The New York Times

Balanço mensal - obras lidas e adquiridas em agosto

Quarta-feira, 02 de setembro de 2015





Cá em casa, o dia 31 de agosto dita o fim das férias, o fim (para já) do dolce fare niente, dos passeios, das viagens, do tempo que nos permite matar saudades do sofá, do sol, do cheiro a maresia, das fotografias, dos álbuns fotográficos, da montagem de puzzles, enfim… o meu agosto foi recheado de tudo isto e mais alguma coisa e, obviamente, de leituras. Contudo, tenho consciência de que este mês que agora findou não foi aquele que recordarei como um dos literariamente mais  memoráveis, não só pelos livros lidos (dois dos quais foram de certa forma uma desilusão) mas sobretudo porque sei que agosto “me bombardeia” com os referidos e igualmente deliciosos distratores que prejudicam a minha concentração literária… Ou seja, enquanto para muitos, verão é sinónimo de “finalmente vou ter tempo para pôr a leitura em dia”, para mim não é exatamente antónimo, mas também não é o período mais ativo e mais recompensador…
Mesmo assim, mesmo com os dias repletos de ingredientes que tornaram (já me vejo obrigada a usar o verbo no pretérito perfeito L) estas férias muito apetitosas, consegui ler cinco livros, dois em língua lusa e três em língua castelhana. Para quem já leu as opiniões que escrevi sobre os mesmos, não é novidade o facto de a minha estreia no mundo literário de Sándor Márai (através da obra A mulher certa) e de Luis Landero (com a leitura de Retrato de un hombre inmaduro) não ter sido a mais auspiciosa. No entanto, não desisti de nenhum dos autores (talvez um bocadinho mais de Luis Landero) e pretendo ler brevemente a obra As velas ardem até ao fim, considerada por todos que já a lerem como a obra-prima de Sándor Márai. As outras três leituras que preencheram os dias do meu agosto encheram-me as medidas de uma forma muito positiva, já que adorei voltar a contactar com a maravilhosa Dulce Chacón (que conhece o mundo feminino como poucas), regressar aos primórdios “mais pornográficos e obscuros” da carreira literária da minha Almudena Grandes e perder-me de novo na escrita densa, complexa e perturbadora de Javier Marías, que nos oferece (una vez más) uma obra com um início e um desenlace arrebatadores, de nos deixarem de queixo caído.
Aqui deixo, como de costume, o link para poderem aceder às opiniões das referidas leituras de agosto:
§  A mulher certa, de Sándor Márai
§  Blanca vuela mañana, de Dulce Chacón
§  Retrato de un hombre inmaduro, de Luis Landero
§  Te llamaré viernes, de Almudena Grandes
§  Amanhã na batalha pensa em mim, de Javier Marías

Quanto às aquisições deste mês… Bom, tenho que confessar que pequei… e pequei com tanta vontade que tive que me refrear não só pelos gastos monetários mas também porque setembro é o mês da Feira do Livro da minha Invicta e a edição deste ano promete!!! Promete tanto que eu até tenho medo. Medo de voltar a sentir-me dececionada… Mas voltando às aquisições de agosto. Para além das que já tinha mencionado no post O trabalho convidou a uma tertúlia literária, ou seja, da obra Desamparo, de Inês Pedrosa (entretanto já lida e recomendada pelo maridinho J) e de Stoner, de John Williams, aproveitei uma recentíssima viagem à bela cidade de La Coruña para abastecer a minha estante de mais quatro obras em língua castelhana e que não consigo encontrar no mercado traduzidas para português. Sendo assim, vim extasiada da cidade galega (que, by the way, me encantou e conquistou), trazendo na bagagem literária La borra del café, do meu amado Mario Benedetti, El río del Edén, de José María Merino – estas duas já estavam na minha wishlist há tempos – Años Lentos, de Fernando Aramburu, que me acercará mais uma vez ao País Basco e à luta armada da ETA, e finalmente Palmeras en la nieve, de Luz Gabás, uma obra que está a ser adaptada para o cinema e que prediz uma leitura daquelas, com uma comovedora história colonial nas legendárias plantações da Guiné Equatorial.
Agora… agora venha setembro, venha a Feira do Livro e venham leituras que me arrebatem e que minimizem o doloroso regresso à rotina e ao trabalho J