La borra del café, de Mario Benedetti

Sábado, 28 de novembro de 2015





Opinião
194 páginas de Benedetti. 194 páginas que durante estes cinco dias estiveram à espera de que eu encontrasse aquele “ratito de tiempo” para mergulhar nelas, perder-me nelas. 194 páginas que saboreei sempre com um sorriso nos lábios e com o lápis na mão. 194 páginas recheadinhas de partes sublinhadas, de setinhas, de corações, de carinhas felizes. 194 páginas que cumpriram com as mais altas expetativas e que consequentemente me levaram a “atazanar” o maridinho com comentários vezes sem fim repetidos – “Delicioso”; “Este homem é fantástico”; “Já te disse que adoro, adoro Benedetti?”; “Isto é mesmo, mesmo bom”.
Enfim, 194 páginas de Benedetti, de um Benedetti que eu amo, venero e que terá que me pertencer por completo, porque cada obra que leio deste autor uruguaio provoca invariavelmente em mim um leque de emoções que me faz sentir mais feliz, mais compreendida, mais viva.
Depois de o ter descoberto com A Trégua e de Primavera con una esquina rota me ter atropelado com uma avalancha de emoções, não hesitei quando, numa escapadela a La Coruña, “tive autorização” para comprar quatro livrinhos e no pacote trouxe a terceira obra de Benedetti a morar na estante cá de casa. La borra del café já figurava na minha wishlist há tempos e agora, que já a li, já a mimei e permiti que ela me mimasse, sei que sou e serei eternamente grata ao autor uruguaio e que não me resta outra coisa que não continuar a adquirir as suas obras, porque sei com aquela intuição e aquele saber cá de dentro que nenhuma me defraudará, pelo contrário.
La borra del café volta a fazer-nos viajar até Montevideu, apresenta-nos vários dos espaços que compõem ou compuseram a capital uruguaia nos anos vinte, trinta e quarenta e abre-nos as portas de casa (ou das várias casas, já que se mudavam com bastante frequência) da família de Claudio, protagonista e o principal narrador das vicissitudes, insignificâncias e outros acontecimentos do seu crescimento e trajetória numa vida que, ao fim e ao cabo, é tão banal e tão memorável como qualquer uma das nossas vidas.
Dividida em capítulos curtinhos e sempre encabeçados por um título alusivo, esta deliciosamente sublime obra derreteu-me desde o seu início, desde a sua primeira palavra. Aliás, como seria de esperar de Benedetti, porque numa linguagem onde se entrelaçam a simplicidade, a inocência e precocidade do narrador, a importância que este dá a pormenores que variam conforme a sua idade e a sua maturidade, os momentos de introspeção, a descrição de um quotidiano tão próximo ao nosso, os sonhos e os momentos de intimidade, Benedetti sabe, como ninguém, cativar-nos, prender-nos, fazer-nos não querer parar a leitura e é um génio na construção dessa teia de ingredientes que, misturados com uma sensibilidade e uma perspicácia tão suas, faz nascer uma obra perfeita.
Essa perfeição está presente em detalhes cómicos, como por exemplo neste apontamento do que era mais memorável numa das casas onde a família de Claudio viveu – “Allí lo más recordable era el inodoro, pues cuando alguien tiraba de la cadena, el agua, en lugar de cumplir su función higiénica en el water, salía torrencialmente del remoto tanque empapando no sólo al infortunado usuario, sino todo el piso de baldosas verdes.” (pág. 12) – ou na inocência do protagonista perante a tirada mensal da mãe que assim respondia ao pai quando este queria “echarse una siesta” mais prolongada no quarto – “«Hoy no puedo, viejo. Vinieron los de Galarza». Para mí, esa respuesta era un enigma, porque yo había estado toda la mañana en casa y nadie había venido: no los de Galarza ni los de ninguna otra familia.” (pág. 41)
Essa perfeição também está presente em detalhes mais intimistas e que nos tocam e nos desarmam – (a casa como o nosso lar, o nosso cantinho) “Todos esos olores formaban un olor promedio, que era la fragrancia general de la vivenda. Cuando llegaba de la calle y abría la puerta, la casa me recibía con su olor propio, y para mí era como recuperar la patria.” (pág. 36); (a reação da irmãzinha de Claudio à morte da mãe) – “«Ves, Claudio, la higuera no se mueve, no oye, no habla, no piensa, no sueña, no siente dolor, pero está viva ¿no? A lo mejor mamita está como la higuera».” (pág. 56); (a descoberta do sexo, do corpo da mulher) – “La memoria del cuerpo no cae nunca en minucias. Cada cuerpo recuerda del otro lo que le da placer, no aquello que lo disminuye” (págs. 121, 122); “Durante varios encuentros seguimos fascinados por esa comunión. No había pregunta de un cuerpo que no supiera o no pudiera responder el otro. ¡Hablábamos tan poco! Creo que teníamos miedo de que la palabra, al invadir nuestro espacio, nos trajera querellas, fracturas, desconfianzas. ¡Y el silencio era tan sabroso, era tan rico el tacto!(pág. 122).
Por fim, essa perfeição está nos já referidos capítulos curtinhos, nos vários narradores dos mesmos – predominantemente narrados em primeira pessoa por Claudio, mas com alguns narrados na terceira pessoa (o que nos permite uma abordagem mais “imparcial” e mais neutra) e outros fragmentos do diário do pai de Claudio – na riqueza linguística do espanhol uruguaio (que saboreio com avidezJ) na homenagem que o autor faz de novo ao nosso Fernando Pessoa e num desenlace intrigante e que remete para o título da obra e para um misticismo e realismo mágico tão característicos do povo sul-americano.
Mais não digo. E havia muito mais para dizer, acreditem. É uma obra pequena, mas que contém pinceladas de um pouco de tudo, daquilo que mais importa para fazer dela um exemplo de uma leitura deliciosa, sublime e completa.
Gracias, Benedetti, estés donde estés, ¡seguirás siempre conmigo!
Recomendo, obviamente, e sem reservas.

NOTA – 10/10

Sinopse

Claudio retrocede hasta volver a ser un niño de cinco años y rescata del pasado las anécdotas, las personas y los acontecimientos históricos que marcaron su vida. La mirada de Benedetti se detiene en historias que llaman a la reflexión, y ofrece otras que todos podríamos reconocer como claves en la vida de un niño, de un adolescente o de un adulto: la desolación ante la muerte de la madre, el descubrimiento del amor, el acercamiento al sexo, la conciencia social, la experiencia del goce y la asunción del dolor. En suma, e l paso que dejan los años y las personas a las que amamos, y que fundamenta nuestra trayectoria existencial.

2 comentários:

  1. Olá Ana,
    Não conhecia este livro. Mas adoro a capa.
    Está editado em português?
    Gostavam de ler mais em outras línguas, mas tenho tantos livros que depois passa.
    Ainda bem que gostaste.
    Beijinhos e boas leituras

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    1. Olá, Isaura!
      Benedetti é maravilhoso, é um dos meus autores de eleição. Infelizmente, muito poucas das suas obras estão traduzidas para o português. "A trégua" está e penso que uma e outra também. É uma pena que as editoras não o resgatem e assim possa ser conhecido por todos.
      Aconselho-te vivamente a conhecê-lo:
      Muitos beijinhos e boas leituras!

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