Alabardas, de José Saramago

Domingo, 17 de maio de 2015
 



Opinião

Sairá ao público no ano que vem se a vida não me falta.”
24 de outubro de 2009

Infelizmente a vida faltou-te, querido Saramago. E deixaste-nos órfãos. Órfãos e esfaimados de livros, de histórias, daquelas histórias que só a tua genialidade conseguia conceber. E por isso o luto ainda dói, por isso as 77 páginas de Alabardas são tão agridoces. Porque são as últimas que escreveste, as últimas, não haverá mais… E só desfolhando-as é que verdadeiramente me dei conta disso. A ficha caiu, faz-se aquele clique, aquele clique que me despertou de vez para essa crua realidade – Saramago já cá não está.
É óbvio que tenho noção de que já não está cá há quase 5 anos, mas foi ao ler Alabardas, ao ler a sua última e inacabada obra, que alcancei verdadeiramente a dimensão do seu desaparecimento físico e o quanto a sua morte nos ceifou das suas ideias, do que o levava a escrever e a mim a comprazer-me com o resultado de essa escrita. E Alabardas, ou pelo menos os três capítulos que a vida lhe deixou escrever, tem tudo aquilo que tanto aprecio e amo em Saramago – “Um mundo reconhecível, saramaguiano, que, nos primeiros traços, evoca o ambiente específico de Todos os Nomes e estabelece laços com o período de escrita iniciado por Ensaio sobre a Cegueira” (pág. 94 – Fernando Gómez Aguilera). Evoca Todos os Nomes através do mote da sua narrativa - a busca como uma demanda, os arquivos que evocam esses mundos subterrâneos que não parecem ter fim e o seu protagonista, um homem comum, solitário, respeitável, obediente. Evoca ainda o tipo de mulher saramaguiana e que tanto me faz ter orgulho no meu sexo – uma mulher corajosa, determinada, portadora de “uma chama de esperança e de grandeza” (pág. 102 – Fernando Gómez Aguilera). Evoca por fim todas as obras que li e devorei de Saramago, pois em apenas três capítulos estão reunidos todos os ingredientes para uma daquelas narrativas, uma daquelas leituras únicas, de tão absorventes e especiais que são. Como são as do meu Saramago.
Por tudo isto, acho que nem preciso dizer que tentei com todas as minhas forças saborear pausadamente esta “prenda” de valor inestimável, que afaguei as suas páginas, que maldisse vezes sem conta a malfadada morte que no dia 18 de junho de 2010 não deixou “de trabalhar” e que sofri com a crua constatação de que Alabardas ficará para sempre incompleta, que nunca saberei como se desenrolaria nem terminaria a sua ação. E que, pior ainda, ela fecha definitivamente a genial mão criadora de um dos mais talentosos escritores do universo.
Saramago já cá não está. Mas perduram os leitores e incondicionais admiradores do mundo das suas ideias. Como eu, leitora anónima, ou Günter Grass, um Prémio Nobel como ele, que ilustrou de uma forma belíssima a publicação póstuma de Alabardas. Ou ainda Fernando Gómez Aguilera e Roberto Saviano que em dois textos fazem comentários brilhantes e acertadíssimos às últimas palavras escritas pelo nosso Nobel, tanto em Alabardas como no seu Caderno.
Todos lhe rendemos assim a devida e merecida homenagem, porque aos génios imortais como ele o devemos. E eu continuarei a fazê-lo, relendo as suas obras e partilhando as suas histórias, as suas ideias. Sempre.

NOTA - 10/10

Sinopse

Aquando do seu falecimento, em 2010, José Saramago deixou escritas trinta páginas daquele que seria o seu próximo romance; trinta páginas onde estava já esboçado o fio argumental, perfilados os dois protagonistas e, sobretudo, colocadas as perguntas que interessavam à sua permanente e comprometida vocação de agitar consciências.

Saramago escreve a história de Artur Paz Semedo, um homem fascinado por peças de artilharia, empregado numa fábrica de armamento, que leva a cabo uma investigação na sua própria empresa, incitado pela ex-mulher, uma mulher com carácter, pacifista e inteligente. A evolução do pensamento do protagonista permite-nos refletir sobre o lado mais sujo da política internacional, um mundo de interesses ocultos que subjaz à maior parte dos conflitos bélicos do século XX.

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