Não te movas/Não te mexas, de Margaret Mazzantini

Sábado, 29 de março de 2014



Opinião
Não resisti. Bom, para ser sincera, não opus qualquer resistência à vontade de reler a obra que me abriu as portas ao mundo literário da “minha” Margaret Mazzantini J
Li Não te movas há mais de cinco anos (publicado ainda com este título pela Dom Quixote – foi reeditado mais tarde pela Bertrand e inexplicadamente com o título Não te mexas), depois de o ter comprado porque a minha intuição me dizia que ia ser uma daquelas leituras. Sim, uma daquelas leituras que tomam conta de mim, que me seduzem por completo, que me envolvem de tal forma que sei de antemão que ficarão comigo para sempre… E esta ficou. Sem qualquer dúvida.
Foi com este romance que me apaixonei perdidamente pela escrita de Mazzantini, pelas suas histórias, pela maneira como põe em palavras os nossos sentimentos, sonhos, anseios, desilusões… É uma escritora fabulosa, não só por esse lirismo tão próximo da nossa realidade como também pela qualidade da sua escrita, dramática, tensa, onde predominam as frases curtas que, nessas poucas palavras, nos transmitem tudo de um modo perfeito e absoluto.
Não te movas é uma obra triste, tal como as outras que já li da autora. É dolorosa, comovente, machuca-nos, mas não podemos deixar de lê-la, é impossível. Chega-nos através de um monólogo doloroso de um pai que vê a sua vida virar do avesso quando toma conhecimento de que a sua filha de quinze anos está entre a vida e a morte, deitada numa cama dos Cuidados Intensivos do hospital onde ele trabalha. Este acontecimento terrível vai abalar a vida aparentemente estável deste prestigiado cirurgião e desencadear um sem número de perguntas, dúvidas e reflexões sobre a sua vida presente, passada e futura.
Para mitigar a dor de poder “ficar órfão” de filha, Timoteo inicia o referido monólogo (dirigido à filha e também a si próprio) no qual abre o seu coração, não de forma cirúrgica, como faria com qualquer um dos seus pacientes, mas recorrendo a “um bisturi que penetra a carne viva das recordações”. Somos assim levados a viajar até vários momentos do seu passado, que nos põem a nu a fragilidade e contradições deste cirurgião intocável. E tornámo-nos cúmplices do seu mais guardado e até aí não partilhado segredo – uma estranha, inusitada, algo sórdida, mas pungente história de amor, que me levou às lágrimas (tantas e tantas vezes) de tão bela e sofrida que é.
Não te movas é, por tudo o que foi dito e pelo tanto que ficou por dizer, uma obra lindíssima e que merece ser lida por todos aqueles que se pelam, que anseiam por uma história que os abane, que os toque no que têm de mais íntimo e os faça não querer largar o livro mesmo quando leem a sua última frase. É esse o poder que as obras desta magnífica escritora têm e que me faz lê-las, relê-las e esperar ansiosamente por novas obras!
Deixo-vos algumas passagens:
És a minha garra no mundo, Angelina, neste mundo que avança sem mudanças de estação.” (pág. 63)
Quando lhe caí em cima, fiquei dentro dela demoradamente sem me mexer, olhando-a nos olhos claros e desfeitos. Ficámos assim, parados naquele campo de fogo. Uma lágrima desceu-lhe pela têmpora, recolhi-a com os lábios. Já não tinha medo dela, pesava-lhe em cima como um homem, como um filho.
«Agora és minha, só minha»” (pág. 88)
Os amores novos são cheios de medo, Angela, não têm um lugar no mundo e não têm fim de linha” (pág. 89)
O que quer dizer amar, minha filha? Tu sabes? Amar para mim foi ter a respiração de Italia nos braços e aperceber-me de que qualquer outro ruído se tinha apagado. Sou médico, sei reconhecer as pulsações do meu coração sempre, mesmo quando não quero. Juro-te, Angela, era de Italia o coração que batia dentro de mim.” (pág. 104)

Sinopse

Não te movas é a história de muitas histórias de amor, um romance pungente, cheio de ritmo e suspense em que as palavras penetram fundo na alma dos protagonistas, arrastando o leitor da primeira à última página. Uma obra inesquecível que apresenta Margaret Mazzantini ao leitor português.

As Intermitências da Morte, de José Saramago

Sábado, 21 de fevereiro de 2015





Opinião
Mais uma releitura. Mais uma releitura do “meu” Saramago.
Num reino fictício, que faz fronteira com três países e não é banhado pelo mar, o início de um novo ano é marcado por um facto extraordinário – a partir da meia-noite ninguém morre e não morrerá durante os próximos sete ou oito meses. É realmente assim que começamos a leitura de um dos, a meu ver, melhores romances saídos da mão do genial Saramaguinho J
Como em qualquer um dos seus romances o acontecimento que arranca a narrativa é demasiado apelativo para não nos arrebatar a atenção. Aliado a esse pormenor, está, como é também habitual, a figura incontornável do narrador saramaguiano. Ora, estes ingredientes são os suficientes para que o sabor que retiramos da leitura de As intermitências da Morte seja ímpar, excecional e se mantenha connosco por tanto tempo que, faz, no meu caso, estar sempre com vontade de reler tudo o que Saramago escreveu!
Podemos dividir a obra em duas grandes partes – a primeira que nos relata como foi a vida da população do reino desde que, de um dia para o outro, se tornou imortal e a segunda, na qual a morte voltou a “desempenhar as suas funções”, mas de uma forma ligeiramente diferente do que era até aí, até à pausa que permitiu, por iniciativa sua, que todos aqueles habitantes, sem exceção, lidassem com uma imortalidade inusitada.
No período em que a morte deixou de matar, somos confrontados com tudo aquilo que infelizmente define um ser humano. Um ser humano que, perante a perspetiva de fazer ou perder negócios com a inesperada imortalidade de jovens, adultos, anciões ou pessoas moribundas, cria artimanhas para que a sua existência egoísta ou materialista não sofra arranhões. Um ser humano que não olha a meios para atingir os seus fins. Um ser humano que tem memória deveras seletiva e que se esquece muito facilmente que “filho és, pai serás”, ou seja, que se és jovem agora, caminharás para velho e dependerás dos teus filhos como os teus progenitores dependem de ti hoje.
A partir do momento em que a morte reassume as suas funções, as “luzes do palco” da narrativa redirecionam as suas atenções para as atividades rotineiras de duas personagens – a morte e um violoncelista. Deixamos assim de acompanhar um quotidiano das altas esferas políticas e religiosas e, ao som de trechos famosíssimos de compositores clássicos, chegaremos a um desfecho que me voltou a encantar, a seduzir e a fazer-me suspirar de satisfação e saciedade J  
Não posso concluir esta opinião sem fazer a associação que, para mim, existe entre As Intermitências da Morte e o filme Meet Joe Black (Dios mío, que “morte tão boa” J). Deixo-vos aqui o seu trailer para que tirem as vossas próprias conclusões:



Por fim, aqui ficam algumas das passagens que sublinhei:
“… o respeito pelos velhos e pelos enfermos em geral representava um dos deveres essenciais de qualquer sociedade civilizada…” (pág. 85)
“… as altas estantes de livros onde a literatura tem todo o ar de conviver com a música na mais perfeita harmonia…” (pág. 155)
“… brevíssimo estudo de chopin, opus vinte e cinco, número nove, em sol bemol maior (…) naqueles cinquenta e oito segundos de música uma transposição rítmica e melódica de toda e qualquer vida humana, corrente ou extraordinária, pela sua trágica brevidade, pela sua intensidade desesperada, e também por causa daquele acorde final que era como que um ponto de suspensão deixado no ar, no vago, em qualquer parte, como se, irremediavelmente, alguma cousa ainda tivesse ficado por dizer.” (págs. 176, 177)

Conforme se pode ver na imagem que vem no livro, a caveira é uma borboleta, e o seu nome latino é acherontia atropos. É noturna, ostenta na parte dorsal do tórax um desenho semelhante a uma caveira humana, alcança doze centímetros de envergadura e é de coloração escura, com as asas posteriores amarelas e negras. E chamam-lhe atropos, isto é, morte. (pág. 180)

NOTA – 9/10


Sinopse
«No dia seguinte ninguém morreu.»

Assim começa este romance de José Saramago. Colocada a hipótese, o autor desenvolve-a em todas as suas consequências, e o leitor é conduzido com mão de mestre numa ampla divagação sobre a vida, a morte, o amor, e o sentido, ou a falta dele, da nossa existência. 

A culpa é das estrelas, de John Green

Sábado, 14 de fevereiro de 2015




Sinopse
Apesar do milagre da medicina que fez diminuir o tumor que a atacara há alguns anos, Hazel nunca tinha conhecido outra situação que não a de doente terminal, sendo o capítulo final da sua vida parte integrante do seu diagnóstico. Mas com a chegada repentina ao Grupo de Apoio dos Miúdos com Cancro de uma atraente reviravolta de seu nome Augustus Waters, a história de Hazel vê-se agora prestes a ser completamente reescrita.
PERSPICAZ, ARROJADO, IRREVERENTE E CRU, A Culpa é das Estrelas é a obra mais ambiciosa e comovente que o premiado autor John Green nos apresentou até hoje, explorando de maneira brilhante a aventura divertida, empolgante e trágica que é estar-se vivo e apaixonado.

Opinião
Comecei o dia em que (comercialmente) se comemora o amor lendo o desfecho de uma juvenil e tocante história de amor. Uma história de amor que une dois adolescentes cujas vidas não são propriamente as vidas típicas de quem tem 16 ou 17 anos. São vidas que, desde que se lembram, estão intrinsecamente ligadas a uma doença terminal e à luta que vão combatendo para que essa doença não leve a melhor.
Se refletirmos sobre esses três elementos chave que determinam o desenrolar desta história – amor, juventude e cancro – poderíamos pressupor que a sua leitura teria que estar acompanhada do inevitável pacote de lenços (pelo menos para leitores como eu, que derramam lágrimas com muita facilidade). Pelo contrário, apesar de ter vertido algumas, as mesmas não são sinónimo de uma leitura lamechas. E essa não lamechice é, na minha opinião, uma mais-valia desta obra. O seu estilo varia assim entre o cómico, o irónico, o comovente, o realista e até, como nos é dito na sinopse, o cru. Somos confrontados com passagens que espelham fidedignamente o que deve ser o dia-a-dia de um doente terminal, com dores, medos, desânimos, que ora se sente com pouca ou nenhuma vontade de levantar-se da cama, de enfrentar um mundo que se compadece de si, ora tenta ignorar a proximidade da morte e decide desfrutar dos dias que ainda são seus.
Hazel e Gus são o retrato disso mesmo. E é quase impossível não nos apaixonarmos por eles… São adolescentes curiosos, divertidos, sensíveis, amantes da leitura (o livro está sempre prontinho para amaciar as longas horas de Hazel) e que trocam diálogos que espelham o quanto o sofrimento e experiências duras os amadureceram.
Uma das coisas de que mais gostei nesta obra foi o facto de os livros estarem por todo o lado. Sobretudo um, fictício, é verdade, mas que se transformou numa Bíblia para Hazel e que teve e terá um papel preponderante na sua vida de antes e na sua vida com Gus. Para mim, é mais uma prova (se é que ainda preciso de provas…) de como o ato de ler, de nos abstrairmos da realidade e todos os dias vivermos outras vidas, experimentarmos outras sensações e sentimentos, identificarmo-nos ou não com essas experiências, nos traz evasão, prazer, sabor, comunhão, enfim, um número sem fim de razões para sermos mais felizes e mais cientes de nós mesmos e dos outros.
A leitura de A Culpa é das Estrelas não foi a que mais me arrebatou até hoje, mas fez-me sorrir, rir, chorar e refletir numa realidade que felizmente não conheço de muito perto, mas acerca da qual temos que estar informados, porque o conhecimento não é demais. E, não menos importante, com Hazel e Gus voltei à adolescência, aos prazeres de um primeiro amor, que tanto nos arrebata e faz esquecer o mundo J! Thank you for that!


NOTA – 8/10

Mar de mañana, de Margaret Mazzantini

Terça-feira, 10 de fevereiro de 2015





RELEITURA

Sinopsis
Jamila tiene apenas veinte años y ya es viuda y madre. Su hijo Farid ha crecido rodeado del polvo rojo del desierto y nunca ha visto el mar. La guerra arrasa su país, Libia, y Jamila sueña con buscar refugio en Italia. Así, emprende con Farid un viaje en barcaza, prometiéndole que durará menos que una canción de cuna.
Desde la otra orilla, Angelina ve los navíos procedentes de Trípoli llegar a puerto. Hace cuarenta años emprendió el mismo viaje y ahora rememora la imagen del temible Gadafi, los amigos árabes que la recibieron y a Alí, su promesa de amor.
Los caminos de Angelina y Jamila nunca se cruzarán, pero ambas tejen distintas tramas de una misma historia.

Opinião
Li algures que Mazzantini vomita lirismo e não podia estar mais de acordo. Esta autora italiana é, sem dúvida alguma, uma das minhas favoritas e nunca consigo resistir a ler e a reler as suas obras. A prova do QUANTO eu sou viciada no que edita (e sou mesmo, mas mesmo viciada) é que já reli as três obras dela que moram na minha estante.
Li pela primeira vez Mar de mañana o ano passado (no início de março) e simplesmente não resisti a lê-lo outra vez, tão presa me sinto ao estilo de Mazzantini, ao quanto as suas histórias nos transmitem de lirismo, beleza, imagens densamente carregadas de sentimentos, sensações e da complexidade do que nos define como seres humanos.
Tal como nas suas outras obras (Vir ao mundo e Não te movas), a maternidade/paternidade é um dos temas principais. As protagonistas são duas mulheres, de idades distintas, que vivem nas margens opostas do Mar Mediterrâneo, mas que têm em comum o amor pelo seu filho único e por um país, uma pátria que lhes foi arrancada – Líbia – pelas atrocidades de uma guerra que não parece terminar e que tem como líder o ditador Kadafi. São duas mulheres de personalidade forte (como qualquer personagem feminina que habita as obras de Mazzantini), que conhecem bem de mais as adversidades da vida, mas que não vergam perante as mesmas. De maneira nenhuma.
Jamila é uma doçura de mãe-menina. Com apenas vinte anos, perde um dos homens da sua vida e tem que encontrar forças e ânimo para continuar a velar e a proteger o outro homem da sua vida – o pequeno Farid, que olha para a sua progenitora e vê nela muitas vezes uma irmã ou uma namorada, tal é a cumplicidade que os une e a curta diferença de idades que os separa.
Angelina aprendeu desde muito nova a não confiar na vida e nos outros, a depender de si mesma para sobreviver, pois a sua existência, desde que teve que deixar para trás a sua infância numa Trípoli que não tinha mais lugar para os italianos, não tem sido mais do que uma sobrevivência, um dia atrás do outro sempre lutando por um lugar num país que é apenas seu nos documentos de identificação.
Entre estas duas mulheres cujas vidas, tal como nos é dito na sinopse, nunca se cruzarão, encontra-se um mar que é visto ou como a única hipótese de salvação ou como um obstáculo intransponível entre uma época de felicidade, inocência, amor, vida e um presente estagnado, nublado e que não oferece perspetivas de futuro. Mas é também um mar que permite a Angelina e ao seu filho Vito um escape, horas e horas nadando contra as suas correntes, que culminam num esgotamento físico que conduz ao esquecimento, ao pôr de lado tudo o que os angustia.
As 129 páginas (tão pouquinhas L e com uma letra gordinha) desta obra oferecem-nos assim um retrato de vidas atormentadas e desfeitas, por um lado pelo poder aniquilador de uma guerra incompreensível (como todas, ao fim e ao cabo) e por outro o quanto uma existência feliz, serena pode ser arrasada por uma onda, que nos pode devolver à margem, à praia, ou que pode levar-nos consigo. De uma maneira ou de outra, nunca nada mais será igual. Se sobrevivermos, seremos apenas isso – sobreviventes. Aprenderemos a suportar o dia-a-dia mas, ao mesmo tempo, a esperar por algo, um momento, que nos faça parar de sentir estrangeiros dentro do nosso país. Dentro da nossa vida.
Não tenho muito mais para acrescentar. Apenas que tenho muita pena que as editoras portuguesas tenham deixado de publicar as obras desta magistral autora e que tenha que recorrer às editoras de “nuestros hermanos” para conseguir continuar a saborear os romances dela. Foi exatamente isso que fiz na última visita às livrarias de Vigo. Saí de lá com a minha gula saciada – um dos livros que “me compré” foi Nadie se salva solo, obviamente da autoria da minha querida Mazzantini!

Por último um apelo – se não conhecem esta autora, não hesitem em ler qualquer uma das suas obras – não se arrependerão!

NOTA – 9/10 (apenas porque é uma obra pequenina e porque queria mais…)

Prometo falhar, de Pedro Chagas Freitas

Quinta-feira, 05 de fevereiro de 2015




Sinopse
Prometo Falhar é um livro de amor.
O amor dos amantes, o amor dos amigos, o amor da mãe pelo filho, do filho pela mãe, pelo pai, o amor que abala, que toca, que arrebata, que emociona, que descobre e encobre, que fere e cura, que prende e liberta.
O amor.
No seu estilo intimista, quase que sussurrado ao ouvido, Pedro Chagas Freitas leva o leitor aos estratos mais profundos do que sente. E promete não deixar pedra sobre pedra.
Mergulhe de cabeça numa obra que mostra sem margem para equívocos porque é que é possível sair ileso de tudo.
Menos do amor.
        
Opinião
Infelizmente, Prometo falhar cumpriu a sua promessa. Falhou. E falhou tanto comigo que obrigou-me a parar a sua leitura na página 103…
Sinto-me desiludida, desapontada por variadíssimas razões. Em primeiro lugar, estava à espera de um romance, porque, de uma forma inconsciente ou não, tudo o que vi, li e ouvi sobre a obra me levou a concluir isso; em segundo, porque, apesar de não me influenciar pelos tops de venda, tenho que confessar que as semanas a fio que esta obra ocupou (e talvez ainda ocupe) o correspondente primeiro lugar me deixou curiosa; em terceiro, porque me senti seduzida pelo título e pela frase que lhe sucede – O amor acontece quando desistimos de ser perfeitos; por fim, porque queria ser conquistada por um emergente autor português e pela imperfeita, cheia de falhas, mas tão humana história de amor que havia criado.
Por tudo isto, é fácil imaginar o entusiasmo e o alvoroço que me consumiam quando, depois de alguns meses a marinar na minha estante, Prometo falhar finalmente chegou às minhas mãos. Entretanto, já tinha “charlado” com a Nancy e ela já me havia posto a par do facto de a obra não ser um romance, mas sim uma compilação de textos que celebra as diversas formas e facetas do amor. Não foi essa informação que arrefeceu a minha excitação e interesse pelo livro. Li os primeiros textos ou crónicas com prazer, sublinhei variadíssimas passagens, deixei-me cativar pelas rotinas de pessoas anónimas que partilham as suas experiências, deceções, conquistas ou sonhos, mas, à medida que as páginas iam avançando, o encantamento foi-se perdendo e sendo substituído pelo que só consigo descrever como cansaço. Saturação de ler textos que, um atrás do outro, nos contam o mesmo, invariavelmente o mesmo…
Até hoje, só havia deixado duas leituras inacabadas e detestei fazê-lo. Sou teimosa o suficiente para, mesmo perante livros, leituras que não me seduzem desde o princípio, não desmoralizar e seguir em diante, em busca de alguma mudança no desenrolar da história, de alguma característica de uma personagem, de alguma passagem, de um pormenor que me conduza até ao desfecho e me leve a concluir que as horas que dediquei a esse livro, a essa leitura não foram em vão. Infelizmente, Prometo falhar nem isso me deu e tornou-se assim na terceira leitura que deixei inacabada... Não conseguiu prender-me de maneira nenhuma, apenas conseguiu fazer-me sentir o que quase nunca sinto com as minhas leituras – cansaço, desalento, enfastiamento…
Resumindo, não é difícil adivinhar que não posso recomendar esta obra. Não posso, porque considero que a literatura e o correspondente prazer da leitura saem beliscados com a “falha” que é a obra de Pedro Chagas Freitas.

NOTA – 2/10

Depois de tu partires, de Maggie O'Farrell

Sábado, 31 de janeiro de 2015



RELEITURA

Sinopse
Alice Raikes dirige-se à estação de King’s Cross onde irá apanhar o comboio que a levará até à Escócia para visitar a sua família. Horas mais tarde encontra-se em coma no hospital de Londres, após um acidente que se suspeita ter sido uma tentativa de suicídio. A partir daqui, Alice começa a reconstituir o passado que lhe trará respostas para o sucedido.

Opinião
Mais uma releitura muito, mas muito saborosa. Continuo a retirar muito prazer destas segundas leituras, a descobrir pormenores que me haviam escapado da primeira vez, a fundir-me de novo com personagens com que me identifico, a rir, a chorar, a franzir o sobrolho perante o que não me agrada, a suspirar com detalhes inesperados, enfim, que mais se pode pedir da leitura, ou neste caso, da releitura de um livro?...
Decidi reler a história de Alice Raikes porque lembrava-me perfeitamente do impacto que havia sentido aquando do primeiro contacto que tive com esta protagonista escocesa, amante dos livros, dona de uma personalidade forte e tempestuosa e que se apaixona irremediavelmente por um judeu de seu nome John Friedman. É uma história densa, envolvente, com um enredo forte e complexo (como eu tanto gosto) e que nos agarra do princípio ao fim. Sim, que nos cativa, como me cativou há quase 10 anos e voltou a fazê-lo nesta última semana de janeiro J
A frase que dá início ao prólogo é o cabal exemplo disso mesmo – “No dia em que ia tentar matar-se, apercebeu-se de que o Inverno estava novamente a chegar.” Como pode alguém ficar indiferente, não sentir-se tentado a continuar a ler a narrativa, a querer saber o que poderá estar por detrás de uma vontade tão extrema, tão terminal? Pura e simplesmente tem que seguir, ler palavra atrás de palavra, parágrafo atrás de parágrafo, capítulo atrás de capítulo, sempre em busca de uma resposta, de uma explicação. E à medida que o faz, vai conhecendo Alice Raikes. E vai conhecendo também a sua família, sobretudo as mulheres de três gerações da sua família. E vai, por fim, conhecendo o homem que revirará por completo a vida de Alice.
Através de uma narrativa que salta constantemente do presente para o passado, que segue alternadamente o quotidiano das personagens, que entrelaça esses mesmos quotidianos com os anseios, expetativas, vontades, sonhos, crenças de Alice, da sua mãe Ann e da sua avó Elspeth, vamos entrando em suas casas e principalmente vamos criando laços com elas. Não preciso de dizer que criei laços mais fortes com Alice, não só porque é a protagonista, mas porque é uma jovem mulher cheia de garra, que não tem medo de nada nem de ninguém, que nos contagia com a sua forma de ser e de estar, que é pragmática e que ao mesmo tempo segue os seus impulsos, sem pensar muito nas consequências. É esse seu lado impulsivo que a fará embarcar na mais apaixonante e trágica viagem da sua vida – apaixona-se, entrega-se totalmente ao amor.
O amor que une Alice a John é especial, é muito especial de tão intenso que é. “Em seguida, estão já abraçados um ao outro e ele tem os braços tão apertados em torno dela que ela mal consegue respirar. Alice não sabe quanto tempo permanecem naquela posição; parece-lhe tudo tão familiar: o cheiro dele e a forma como a cabeça dela encaixa perfeitamente na curva do seu pescoço, o modo como ele coloca a mão em concha na nuca dela quando a está a beijar.” (pág. 166) E nós sentimo-nos especiais por sermos como que espetadores que têm o privilégio de poder presenciar todos os momentos que eles vivem. A dois.
Quando a obra que nos acompanha é de uma densidade e beleza como esta, é impossível não vibrarmos com o poder de um amor tão avassalador “Ela sente a presença de John tão intensamente que não teria ficado nada surpreendida se se virasse e o visse ao seu lado. Como é que isto aconteceu? Como é que ela se apaixonou tanto por ele ao ponto de sentir que a sua sanidade mental está ameaçada pela possibilidade de eles se separarem?”; (pág. 229) “O que é que posso dizer acerca do tempo que passámos nas vidas um do outro? Que fomos felizes. Que raramente nos separávamos. Que, por vezes, eu tinha aquele sentimento vertiginoso e excecional de conhecer outra pessoa tão bem que quase podemos perceber como seria ser essa pessoa. Que nunca me tinha sentido incompleta antes de o conhecer, mas que, com ele, me sentia terminada, completa.” (pág. 252). E é igualmente impossível não nos sentirmos devastados, não nos banharmos em lágrimas com palavras como estas – “Sente a pele áspera e ressequida, como se todas as lágrimas que chorou nos últimos quatro meses a tivessem tornado árida, a tivessem secado completamente. Vestida com o roupão, desce as escadas e prepara uma sanduíche. Come-a de pé, sem ter ainda forças para comer à mesa sozinha, esforçando-se por engolir pedaços de pão que sabem a cinzas. A casa está totalmente silenciosa para além do ruído do seu mastigar sem entusiasmo. Ela quer morrer.” (pág. 264)
Depois de tu partires foi a estreia literária de Maggie O’Farrell e, na minha opinião, a sua melhor obra das três que tenho dela. Tem aquele condão, aquela magia, aquela sedução aos quais não consigo nem quero resistir. Ofereceu-me uma das mais belas histórias de amor que já li, aliada a uma narrativa, que podemos apelidar de secundária, mas que não é menos importante, pois “vai-nos revelando como pode ser vasto, imenso, o opaco continente do não-dito, dos mais secretos e obscuros recantos do universo familiar.”
Obra belíssima e que tenho mesmo que recomendar!


NOTA – 10/10