Quinta-feira, 30 de janeiro de 2014
Sinopse
Para lidar com o transtorno de uma filha
hospitalizada e inválida, um pai atém-se às suas rotinas e passatempos, como
cuidar dos peixes no seu aquário; um casamento acaba em enfado, ante o instigar
dos fanáticos contra o vizinho, à espera que este se mude; um homem faz o
possível para evitar que o ignorem e vive aterrorizado porque todos lhe voltam
as costas; uma mulher decide partir com os filhos, sem perceber porque a
acusam.
Em jeito de crónica ou reportagem, de testemunhos na primeira pessoa, de cartas ou relatos contados aos filhos, Os Peixes da Amargura reúne fragmentos de vidas nas quais, sem dramatismo aparente, só emerge a emoção - simultaneamente uma homenagem ou denúncia - de forma indireta ou inesperada, a que seja mais eficaz.
Em jeito de crónica ou reportagem, de testemunhos na primeira pessoa, de cartas ou relatos contados aos filhos, Os Peixes da Amargura reúne fragmentos de vidas nas quais, sem dramatismo aparente, só emerge a emoção - simultaneamente uma homenagem ou denúncia - de forma indireta ou inesperada, a que seja mais eficaz.
Num estilo ilusoriamente simples, Os Peixes da Amargura transporta-nos
para um quotidiano inquietante, onde o prosaico convive com o arrepiante, tendo
por pano de fundo um País Basco e a sombra tenebrosa da ETA.
Pela variedade e originalidade dos
narradores e abordagens, a riqueza dos personagens e as suas diferentes
experiências, Aramburu transforma uma imagem inesquecível dos anos de chumbo e
sangue num romance de tremendo impacto.
Opinião
Numa
das habituais conversas “literárias” com “a minha” Nancy confidenciei-lhe que
estava deslumbrada com as descobertas que vinha fazendo da literatura
castelhana e que muitas delas se deviam às páginas oficiais de editoras, bem
como a outras a que estou associada em redes sociais. Mencionei ainda que, numa
das últimas deambulações pela página da Alfaguara espanhola, “havia tropeçado”
em livros de um autor basco e que os mesmos me haviam espicaçado a vontade de
ler, pela primeira vez, algo escrito por um basco. Aqui, a Nancy disse-me o que
estou sempre ansiosa por ouvir – que tinha uma obra de um autor dessa região
autónoma, uma coletânea de contos, que abordava “um quotidiano inquietante, onde o prosaico convive com o arrepiante,
tendo por pano de fundo um País Basco e a sombra tenebrosa da ETA”. É óbvio
que fiquei de imediato em pulgas!!! Como poderia não ficar?...
Não
sou grande admiradora de contos. Penso sempre que são como dar um docinho a uma
criança e tirá-lo a meio, quando se está a lamber a boca, a saborear a doçura e
já a salivar de prazer J Mas tenho que confessar
que todos os contos de Os Peixes da
Amargura conseguiram, apesar do seu título “amargo”, deixar-me um sabor
pleno e muito aprazível na alma. Porque transmitem-nos emoções, convidam-nos a
entrar na vida quotidiana da gente basca, de homens e mulheres que conviveram e
convivem de perto com a luta fratricida por um objetivo, pelo nacionalismo e
independência de uma região que se sente sufocada pelo poder central.
A
obra é composta por dez contos e, no seu conjunto, através de uma linguagem
simples, que não cai na lamechice, mas que nos comove e nos faz experimentar
sentimentos distintos, agarrou-me, cativou-me e deixou-me com vontade não só de
relê-lo muito brevemente como de adquirir a sua versão traduzida para português
J!
1.
“Os Peixes da Amargura” – o conto que abre
a obra é também aquele que lhe dá o nome. Debruça-se sobre uma família cuja
filha foi uma vítima inocente de um ataque bombista. Todos os seus parágrafos
acabam intencionalmente com a palavra “triste”. Porque esse é o sentimento que
nos domina ao lê-lo…
2.
“Mães” – a dor de uma mãe que perde o
filho, morto por um guarda civil, em contraste gritante com a dor de uma mulher
e mãe de outro guarda civil que, como represália, é barbaramente assassinado. “…
uma mistura de desânimo e de compaixão ao
ver que existem pessoas convencidas de que, para criar o país dos seus sonhos,
têm de causar forçosamente dor ao próximo.” (pág. 45)
3.
“Maritxu” – uma mãe viúva. Um filho “gudari”
(soldado da causa basca) preso por ter estado envolvido num ataque bombista. Uma
mãe que faz visitas assíduas à prisão, mas que se sente dividida – “Que matem guardas e bufos, vá lá. Mas
crianças, não”. (pág. 57)
4.
“O melhor eram os pássaros” – um dos meus
favoritos. Relato doloroso de uma mulher, que está prestes a ser mãe e que se
dirige a esse filho ainda por nascer, para contar-lhe como foi o dia em que
perdeu para sempre o seu pai. “Tiraram-vos
o avô, filho. Tiraram-vos um dia numa terra distante, vai fazer vinte anos”.
(pág. 72) “Roubaram-me o pai, mas sou eu
quem decide a lembrança que guardo dele” (pág. 77)
5.
“A colcha queimada” – a noite de um casal
de meia-idade é de novo abalada pelo ataque a um vizinho vereador, o qual
desencadeia uma desavença mais num matrimónio já desgastado pela vida em comum.
6.
“Relatório de Creta” – o meu conto favorito.
O poder do verdadeiro amor que tudo consegue, até mesmo “curar” um filho, já
adulto, que presenciou o assassinato do seu “aitá”, do seu pai. “À noite, depois do beijo de despedida,
perguntei-lhe se queria que lhes trouxesse alguma coisa de San Sebastián. «Traz-me
o meu pai.»” (pág. 121)
7.
“O inimigo do povo” – Como um rumor, um
mal-entendido, algo que apenas presenciámos pode desencadear uma onda de ódio e
de desprezo por alguém até aí nosso amigo, compincha habitual de tardes
passados num bar. “… da próxima vez há de
ser pior, amigos asquerosos dos fascistas, não vamos parar de malhar até se
porem ao piro.” (pág. 145)
8.
“Pancadas na porta” – narração do dia-a-dia
de um “gudari” preso numa solitária. É mais uma prova do quanto o estilo e a
escrita de Aramburu são inteligentes e sedutores porque conseguem que o leitor
até sinta compaixão por um assassino.
9.
“O filho de todos os mortos” – outro dos
meus favoritos. Mais um adolescente a quem roubaram o direito de nascer e
crescer na companhia do pai. “– Ouve,
amá, porque me dás sempre dois beijos e os contas? – Um é meu, o outro de quem
nunca te pôde beijar.” (pág. 185). Ao terminar este conto, de novo me
questionei – como é possível que alguém que assassina outro seja aclamado e
homenageado publicamente como um herói?...
10.
“Depois das chamas” – escrito como um
texto dramático, é um exemplo de como se pode fazer comédia através da
tragédia.
Resumindo,
Aramburu conquistou-me, sem dúvida. A sua escrita é realmente ilusoriamente
simples, mas que nos chega ao coração, nos faz derramar algumas lágrimas (eu
que o diga), indignar-nos com a crueldade e cegueira de alguns e compadecer-nos
com o sofrimento e tristeza de outros. E, não menos importante, ensinou-me
algumas palavras de basco, uma das línguas europeias mais difíceis, mas que não
importava nada de aprender J
Recomendadíssimo!!!
Gracias, Nancy J
Sem comentários:
Enviar um comentário