Contracorpo, de Patrícia Reis

Quinta-feira, 31 de outubro de 2013




Sinopse
Uma mulher fica viúva com dois filhos. Alguns anos depois da morte do marido, a vida não se refez e o filho mais velho, agora adolescente, cresce contra a mãe, num silêncio obstinado que só quebra nas histórias que se conta para adormecer e nos desenhos que faz de forma compulsiva. Com o anúncio do chumbo escolar, a mãe decide, sem grandes reflexões, fazer uma viagem com este filho, deixando o pequeno com os avós. Não se trata de uma viagem com destino, mas antes uma procura.
Contracorpo é um livro contra o silêncio e sobre o silêncio. É uma história de procura de identidades distintas - da mulher e do quase homem - e ainda de descobertas. Uma mãe nunca é o que se espera. Um filho é sempre uma surpresa. O encontro dá-se enquanto procuram caminhos, de Lisboa a Roma, num jogo de claro escuro. Como se tudo fosse uma imagem.

Opinião
Não é novidade que sou fã incondicional de Patrícia Reis – tenho as suas obras todas! Identifico-me muito com a sua escrita, que à partida parece muito simples, com parágrafos e capítulos predominantemente curtos, mas que nos agarra, que nos toca e que nos faz refletir.
Em Contracorpo, deparei-me com a primeira história que tem como protagonista Maria, uma mãe viúva, que desde a morte do marido, vive para o trabalho e para os filhos. Contudo, enquanto a relação com o filho mais novo decorre tranquilamente, com ternura e mimos q.b. e os cuidados necessários para que as suas necessidades básicas sejam cumpridas, entre ela e a sua “cria” mais velha levantou-se um muro de silêncio (apenas quebrado por raros momentos monossilábicos) que parece não querer ceder… Então, num momento de desespero e que podemos descrever como sendo um daqueles de “ou vai ou racha”, Maria toma uma decisão – fazer uma viagem, aparentemente sem destino concreto ou regresso planeado, tendo apenas como companhia Pedro, o filho mais velho. E será nessa viagem que conheceremos mais intimamente estes dois, continuando a autora a dividir a narrativa em capítulos que alternam entre si os narradores – Maria e Pedro.
Não consigo imaginar a dor que sentirá um filho quando a morte lhe rouba um dos progenitores. Esse “roubo”, com toda a certeza, será traumatizante em qualquer fase da nossa vida, mas na adolescência, naquela fase que questionamos tudo e todos, que paradoxalmente testamos a autoridade dos pais e ao mesmo tempo necessitamos deles mais do que nunca, será como se nos tirassem o chão, nos deixassem desprotegidos, desamparados face à passagem dos dias, à passagem que, a partir daquele momento, passa a ser mais solitária e repleta de perguntas sem respostas, de muita revolta surda e muda…
Sem recorrer à lamechice (como nunca o faz), mas com passagens emotivas, serenas e que ficam connosco, Patrícia Reis convida-nos a entrar no carro de Maria e de Pedro, a sentar junto deles, a apreciar a paisagem que vai ficando para trás à medida que a viagem continua e a ser o espetador das mudanças subtis que vão ocorrendo enquanto o conta-quilómetros vai acumulando quilómetros. O silêncio deixa de ser incómodo como até aí havia sido, instala-se como muitas vezes se instala entre duas pessoas que compreendem que muitas vezes esse silêncio é de ouro e que as palavras podem ser desnecessárias… Os monossílabos vão sendo substituídos e mãe e filho conquistam passo a passo, quilómetro a quilómetro, uma relação, um entendimento que os faz ver um ao outro como alguém que sabe, que sofreu na pele a mesma dor que o outro sofreu e que está ali para dar a mão, uma palavra ou um olhar de conforto e alento.
Sendo assim, o risco que Maria tomou valeu a pena. Arriscou tudo para reconquistar o filho, não quis passar por mais uma perda e recuperou não só o seu lugar de mãe na vida de Pedro, como se recuperou a si mesma. Como mãe e como mulher.
Por fim, só me falta dizer que recomendo sem reserva este livrinho precioso e registar aqui algumas (das muitas) passagens que sublinhei J
As viagens preferidas (…) sempre foram curtas, de carro, sem destino. (…)
Hoje vamos dormir na paisagem.
E o carro levava-os para o Alentejo, para o Gerês, para a raia. Nessas viagens existia um silêncio reconfortante. Nada de conversas forçadas ou de constrangimentos. Deixavam a música correr a estrada e cantarolavam. Por vezes sorriam. Outras, as mãos tocavam-se por instantes.” (pág. 52)

“Maria hesita em continuar a falar. Cala-se. De repente sente medo. O filho despe a camisola, as calças, vai à casa de banho. Ouve-o, os tais gestos que adivinha, todos os detalhes, mesmo os mais pequenos, como se os estivesse a ver. Era tão pequeno. E agora? Quase um homem. Quando Pedro regressa ao quarto, deita-se a medo. A cama é curta. E estreita. Maria sorri e fecha o livro
Dorme bem.
Boa noite, mãe.
Na escuridão do quarto, Pedro continua de olhos abertos. Há uma luz que vem da janela, por vezes passa um carro e o barulho vem de longe, aproxima-se afasta-se. De repente pergunta
Tens medo do quê, mãe?
Ah, do escuro, de aranhas, que vos aconteça alguma coisa. Não sei. E tu, Pedro?
Às vezes acho que não tenho medo de nada, tento não pensar nisso. Outras vezes tenho medo dos dias a seguir. Do futuro.
Sabes, uma das coisas que aprendi é que não vale a pena pensar no futuro. A vida troca-nos as voltas.
Pois. Boa noite, mãe.
Boa noite.” (pág. 106)


O pai é um abraço enorme que me deu um dia. É essa a recordação que o mantém preso a mim. Aquele abraço apertado e depois um afago no meu cabelo, a mão do pai presa, por instantes, no cabelo. Sinto lágrimas nos olhos.” (pág. 153)

O ano sabático, de João Tordo

Domingo, 13 de outubro de 2013



Plano Nacional de Leitura
Livro recomendado para o Ensino Secundário como sugestão de leitura.

Depois de treze anos de vida desregrada no Québec, Hugo, um contrabaixista de jazz, decide tirar um «ano sabático» e regressar a Lisboa, onde espera reencontrar o equilíbrio junto da família. Porém, logo numa das primeiras noites, assiste ao concerto de Luís Stockman - um pianista que se tornou recentemente famoso -, e a almejada paz transforma-se no pior dos pesadelos: Stockman toca um tema inédito que Hugo conhece bem demais, pois é o mesmo que vem escrevendo há anos na sua cabeça…
Quando o começam a confundir na rua com o pianista - e a própria mãe lança a dúvida sobre a sua identidade -, Hugo encetará uma busca obsessiva da verdade e do seu duplo, entrando num labirinto de memórias e contradições que o conduzirá a um destino muito mais funesto do que imaginara ao deixar Montreal. É nessa mesma cidade que Stockman desaparecerá, curiosamente, mais tarde, segundo nos conta o seu melhor amigo - o narrador deste romance - a quem cabe agora desmontar os acontecimentos, destrinçar fantasia e realidade e enfrentar as assustadoras e macabras coincidências que unem, como num espelho, a vida dos dois músicos.

Opinião
Acabadinho de ler, este livro de Tordo (o terceiro que leio) centra a sua ação (tal como nos informa a sinopse correspondente) na vida de um músico chamado Hugo. Presentemente, este músico, que regressa a Lisboa deixando uma vida de emigrante no Canadá, caracterizada (pelo menos nos últimos anos) pela desilusão, tristeza e bebida, não tem nada a seu favor, nem mesmo o que fora até aí o seu ganha-pão e razão para levantar-se da cama todos os dias – a música e o seu contrabaixo (que trata como se fosse um filho e ao qual trata carinhosamente de “Nutella”).
Contudo, como se tudo isto não bastasse, a sua vida piora quando, já em Lisboa, ouve um concerto de um pianista em ascensão e percebe que este toca uma música que ele, Hugo, estava a compor e que ninguém havia ouvido… A partir daí, Hugo inicia uma demanda “enlouquecida” para tentar descobrir tudo o que possa sobre esse músico que não só parece ter-lhe roubado a criação musical como também a identidade, já que é extremamente parecido consigo fisicamente, como se fosse o seu outro gémeo, para além da sua irmã.
Infelizmente não posso dizer que tenha gostado muito desta obra… Apesar de não ter ficado indiferente às linhas que ligam o protagonista Hugo ao autor João Tordo – ambos passaram pela experiência traumática de ter perdido o terceiro gémeo no momento do parto e os dois tocam contrabaixo – não me senti agarrada por esta narrativa como me senti, por exemplo, com a leitura de O Homem Duplicado, de Saramago. Em O Ano Sabático, há uma loucura desesperada que determina a busca de Hugo no que parece ser a tentativa de confirmar se o músico que ouviu em Lisboa poderá ser o seu terceiro gémeo, aquele que morreu no momento do parto. Há também uma deterioração física e psicológica em Hugo que nos toca, mas que nos deprime e que nos faz adivinhar o seu fim trágico. Nada na sua vida faz sentido, a relação que tem com a mãe, com o cunhado e inclusive com a irmã nada contribui para a sua tranquilidade e o contrabaixo deixa de ter utilidade, deixa de ser um prolongamento de Hugo como tinha sido até então…
Tenho, no entanto, que fazer uma ressalva à personagem que, pela sua inocência, comentários e traquinices próprios da sua idade, permitiu que, entre tantas linhas e páginas entranhadas de sentimentos depressivos e de desespero, eu sorrisse e me sentisse completamente rendida. Falo do pequeno Mateus, sobrinho de Hugo e que, apesar de surgir pontualmente, tem o encanto que só uma criança consegue ter ao chamar, por exemplo, “barco baixo” ao contrabaixo do tio e ao sujar-se todo com a comida, ao meter os dedos na boca e ao estar constantemente a perguntar algo, nem que seja a mesma coisa por mais de uma vez, como se a(s) resposta(s) anterior(es) não o satisfizessem J

Concluindo, muito provavelmente não relerei esta obra, mas não perdi a vontade de continuar a ler Tordo! Ai, isso é que não!

El lector de Julio Verne, de Almudena Grandes

Sábado, 28 de setembro de 2013



Sinopse
Nino, hijo de guardia civil, tiene nueve años, vive en la casa cuartel de un pueblo de la Sierra Sur de Jaén, y nunca podrá olvidar el verano de 1947. Pepe el Portugués, el forastero misterioso, fascinante, que acaba de instalarse en un molino apartado, se convierte en su amigo y su modelo, el hombre en el que le gustaría convertirse alguna vez. Mientras pasan juntos las tardes a la orilla del río, Nino se jurará a sí mismo que nunca será guardia civil como su padre, y comenzará a recibir clases de mecanografía en el cortijo de las Rubias, donde una familia de mujeres solas, viudas y huérfanas, resiste en la frontera entre el monte y el llano. Mientras descubre un mundo nuevo gracias a las novelas de aventuras que le convertirán en otra persona, Nino comprende una verdad que nadie había querido contarle. En la Sierra Sur se está librando una guerra, pero los enemigos de su padre no son los suyos. Tras ese verano, empezará a mirar con otros ojos a los guerrilleros liderados por Cencerro, y a entender por qué su padre quiere que aprenda mecanografía.

Opinião
Que alegria poder dizer que li mais um livro da “minha” Almudena! E que livro!!! Tal como havia dito no post/comentário que escrevi sobre o primeiro volume de “Episodios de una Guerra interminable” – Inés y la alegría –, a ansiedade, as expetativas que sentia por ler este segundo volume eram imensas e agora posso afirmar que, como sempre acontece com um livro desta fantástica autora espanhola, as expetativas foram amplamente superadas!!! Só posso exclamar, como qualquer espanhol exclamaria, que “es precioso” J
        É incontestável que “devorei” El Lector de Julio Verne porque em primeiro lugar, é mais uma obra de Almudena Grandes, em segundo porque é o volume número dois do projeto iniciado com Inés y la alegría e por fim, mas não menos importante, porque sei que um romance com um título como esse não me passaria despercebido!... É certo que não me considero a maior fã de Júlio Verne, mas sei o impacto que as suas obras tiveram e ainda têm na vida de adolescentes que, como eu, não conseguem/conseguiram passar sem a companhia de uma bela aventura literária, repleta de emoção e momentos entusiasmantes, que não nos deixam/deixaram “largar” o livro até que lemos a sua última página!
        Tal como nos informa a sinopse, a ação de El lector de Julio Verne passa-se em Jaén (Andalucía), mais propriamente numa pequena povoação chamada Fuensanta de Martos e tem como narrador e protagonista Nino, um miúdo de nove anos, filho de um guarda civil, que vive com a família no quartel, numa pequena casa com quartos que dividem paredes finíssimas com o referido quartel e que, como tal, são incapazes de abafar os horríveis sons do sofrimento dos presos que são torturados… As noites de Nino são assim muitas vezes povoadas por essa dor que ele ou confunde com pesadelos ou com ruídos próprios de um filme… É isso que diz a si mesmo e à sua irmã mais nova quando esta acorda e o procura com medo.
        Numa vida que é assim uma mistura de mentiras e de verdades veladas, Nino tem plena consciência de uma coisa – quando for adulto não quer ser guarda como o seu pai, não quer ser tratado como é o seu progenitor e os outros guardas pelos habitantes da aldeia que os veem como os inimigos, os detentores de uma lei castradora e que obriga a inúmeros homens e jovens a procurarem refúgio nas montanhas, a tornarem-se guerrilheiros, a fugirem para o exílio ou a perderem a vida só porque não concordam com o regime que a lei defende tão acirradamente. Nino vive então do lado da defesa da lei, mas esse lado faz com que seja uma criança que não tem com quem jogar futebol ou brincar… Contudo, no verão de 1947 a sua vida mudará por completo quando conhecer Pepe, el portugués (J), um forasteiro que vem viver para um moinho afastado da povoação e que será a partir desse momento o seu grande amigo, o seu confidente e aquele que o apresentará ao maravilhoso mundo dos livros, dos livros de Júlio Verne.
        Para além de Pepe, também as Rubias, que compõem uma família de apenas mulheres e Elena, que é hóspede delas, terão uma presença preponderante na vida de Nino. Com Elena aprenderá mecanografia para poder ter, segundo o pai, um bom emprego no futuro (já que a sua pequena estatura compromete a possível entrada na Guarda Civil) e conhecerá outros livros de Verne e outros autores (como o amado Galdós de Almudena) que mudarão de uma forma irreversível a visão que Nino tem do mundo. Por sua vez, com as temíveis Rubias entrará no universo feminino, um universo de mulheres de coragem, de “pelo na venta” e que lhe abrirão também as portas do misterioso e proibido mundo dos guerrilheiros…
        Num dos livros mais pequenos que já escreveu, Almudena mostra-nos assim outro episódio pouco conhecido de uma guerra interminável – um episódio que nos faz viajar para uma pequena povoação do sul de Espanha, com habitantes pouco afortunados, que vivem em duras condições, mas que continuam a combater uma guerra que supostamente já terminou há bastante tempo. E combatem-na tanto os guerrilheiros como as suas famílias que vivem no povoado, longe da montanha, mostrando sem piedade o quanto odeiam e desprezam aqueles que estão contra eles, sejam eles os guardas-civis ou mesmo os seus filhos, como Nino. Um desses guerrilheiros é o lendário e mítico Cencerro, cuja história (contada a Almudena por um habitante natural de Fuentesanta de Martos e ponto de partida para a consequente escrita de El Lector de Julio Verne), quase setenta anos mais tarde (Cencerro morreu em 1947) foi relembrada como se a sua lenda, o seu mito ainda estivessem frescos na memória de alguém que nasceu 2 anos após a sua morte!...
        É sobejamente sabido de que lado a autora se coloca e se colocaria nesta guerra interminável, mas, neste romance não há uma fronteira que separa radicalmente os guerrilheiros dos guardas, ou seja, nem os guerrilheiros e suas famílias são caracterizados como os “bons” nem os guardas como os “maus”. Para além do que já referi sobre o ódio que os familiares dos foragidos sentem sem distinção por todos os que “pertencem” aos defensores da lei, também estes últimos são personagens realistas, com qualidades e defeitos, como por exemplo o pai de Nino, que está deste lado da fronteira porque combateu, por coincidência, neste regimento e aí se manteve por uma questão de sobrevivência, sua e dos seus.

        Não posso terminar este comentário sem fazer alusão ao elemento de ligação entre Inés y la alegría e El Lector de Julio Verne, ou seja, ao restaurante La cocina de Inés, que aparece na foto que um guerrilheiro que foge para terras francesas manda à sua família. Sendo assim, é um elemento tão frágil que pode passar perfeitamente despercebido e não impedir que a leitura destas duas obras seja feita de um modo não cronológico e independente.

        Concluindo, não posso fazer outra coisa que não seja afirmar com todas as letras que ADOREI e RECOMENDAR que leiam este estupendo livro!!!


Explicação dos pássaros, de António Lobo Antunes

Quinta-feira, 06 de novembro de 2014




RELEITURA

Sinopse
Um homem e uma mulher deixam Lisboa para se dirigirem a Tomar, onde decorre um congresso, mas é em Aveiro que passam o fim-de-semana. O homem quer deixar a mulher, não é capaz de lhe dizer, e finalmente ela resolve deixá-lo. A mulher regressa sozinha. O homem desapareceu. Mais tarde, encontra-se o seu corpo na ria de Aveiro. Suicidou-se. Há pássaros junto do cadáver.

Opinião
Admiro a obra de António Lobo Antunes desde que, há uns bons anos atrás, a minha querida mamã me ofereceu O Manual dos Inquisidores, obra que já li pelo menos três vezes e que recomendo vivamente a todos – àqueles que não conhecem Lobo Antunes e àqueles que já o conhecem, mas ainda não tiveram o prazer de ler essa obra.
Já mencionei antes que, neste momento, as minhas leituras estão a ser intercaladas – leitura de uma obra que tenha “aterrado” ultimamente na minha estante e releitura de outra que já lá esteja há uns aninhos e que, por uma razão válida ou por um impulso do momento, me apeteça voltar a ler. Explicação dos pássaros era uma dessas obras que estava há uns tempos na “lista de possíveis releituras”, sobretudo por ser uma das obras escritas por Lobo Antunes que ainda consigo ler, ou seja, que não é tão densa e complexa como Ontem não te vi em Babilónia (cuja leitura se transformou em tortura, mesmo para alguém como eu, com alguma “bagagem” leitora) ou outras obras mais recentes, mas que possui todas as características que fazem deste autor alvo de uma justa admiração.
Contudo, não foi uma releitura fácil… Não sei se o facto de a ter relido numa altura de muito trabalho, de pouco tempo disponível para sentar/deitar no sofá e embrenhar-me na sua leitura tenha tido alguma influência, mas o que é verdade é que sinto que não voltarei a pegar nesta obra por muito e muito tempo…
Todos os que conhecem os romances de Lobo Antunes sabem que nenhum deles está recheado de momentos alegres, positivos ou que nos possam levantar o ânimo. Nada disso. Mas, mesmo tendo consciência disso, não consigo deixar de sentir que em a Explicação dos Pássaros, o autor conseguiu criar um protagonista que não poderia ser mais fraco ou volúvel. Desde as primeiras páginas sabemos que Rui S. irá suicidar-se e, numa narrativa que salta do presente para o passado ou para o futuro em poucas linhas, vamos acompanhando os seus últimos quatro dias de vida e ao mesmo tempo conhecendo a sua família, os seus tempos de jovem, as suas relações amorosas falhadas e a sua vida miserável, a vida de alguém que não tem nada que o faça lutar, que o faça querer viver um dia após o outro com ânimo e vontade de seguir em frente. O narrador faz questão de nos pôr a par de tudo o que poderia estar por detrás dessa fraqueza de carácter de Rui – uma família burguesa que vive das aparências, uma mãe que passa os dias a jogar cartas com as suas amigas burguesas e sobretudo um pai ausente, que trai constantemente a mulher e que, desde a infância de Rui, quando o tratava como um pai deve tratar um filho, se afastou abruptamente, deixou de brincar, de passar tempo com ele, como fazia no verão, quando o pegava ao colo e lhe explicava os pássaros.
Sendo assim, tal como acontece em O Manual dos Inquisidores, voltamos a uma obra que nos põe em contacto com uma personagem masculina que vê o seu crescimento seriamente abalado com a falta de atenção e acompanhamento da figura paternal. Mas, no caso de Rui S., nem essas recordações nostálgicas da infância, dos preciosos momentos passados com o pai, me levaram a sentir empatia por ele. A descrição que o narrador faz dele, das suas atitudes, dos seus comportamentos faz com que pareça que não quer que simpatizemos ou tenhamos compaixão dele, porque, à medida que a narrativa avança para o seu conhecido desenlace, tudo o que se relaciona com Rui S. nos mostra o seu lado mais fraco e mais abjeto. O narrador parece, dessa forma, ter como único propósito despedaçar, extirpar lentamente a vida do protagonista, tal como farão os amados pássaros ao seu corpo depois de se ter matado…
Resumidamente é um livro muito bem escrito, mas deprimente, que aborda de uma forma crua e nada abonatória a vida do nosso país na época pré e pós 25 de abril, critica sem piedade burgueses salazaristas e comunistas e faz com que a morte/suicídio de um ente querido seja vista como mais um número de circo sem qualidade…

Por tudo isto, sei que não voltarei tão cedo à obra “antuniana”!...

As pontes de Madison County, de Robert James Waller

Segunda-feira, 09 de setembro de 2013




RELEITURA



Sinopse
As Pontes de Madison County é a história de Robert Kincaid, famoso fotógrafo, e de Francesca Johnson, mulher de um agricultor do Iowa. Kincaid, de 52 anos, é fotógrafo da National Geographic - um estranho e quase místico viajante dos desertos asiáticos, dos rios longínquos, das cidades antigas, um homem que se sente em desarmonia com o seu tempo. Francesca, 45 anos, noiva italiana do pós-guerra, vive nas colinas do Iowa com as memórias ainda vivas dos seus sonhos de juventude. Qualquer deles tem uma vida estável, e no entanto, quando Robert Kincaid atravessa o calor e o pó de um Verão do Iowa e chega à quinta dela em busca de informações, essa estabilidade desaba e as suas vidas entrelaçam-se numa experiência de invulgar e estonteante beleza, que os marcará para todo o centro.
O resultado é uma história apaixonante e profundamente comovedora, que coloca Robert James Waller na vanguarda dos novos romancistas norte-americanos.

Opinião
Na sexta-feira dei comigo a rever o filme baseado nesta obra. Sim, não foi a primeira vez que o vi, nem a primeira que o revi, mas o impacto é sempre o mesmo – a extraordinária cumplicidade da fantástica Meryl Streep e do ex “Dirty Harry” apanha-me sempre desprevenida e o resultado é o esperado – não descolo do ecrã e sofro com uma intensidade brutal, de tal forma que choro, choro baba e ranho, como choro!!!
O filme é realmente arrebatador e como consequência tive que ir à estante, retirar de lá o livro homónimo e relê-lo.
A releitura levou-me de novo a Iowa, a acompanhar a chegada de Robert a casa de Francesca, a perceber o que nesse preciso momento começou a mudar nas suas vidas e a viver intensamente aqueles quatro dias em que os dois saborearam a história de amor das vidas deles. O livro narra tudo isto numa linguagem simples, despretensiosa, mas, e para minha surpresa (porque será das pouquíssimas vezes que direi isto), falta-lhe algo quando comparado com o filme: os gestos, os silêncios, os olhares trocados, os movimentos que sobretudo o IMENSO talento de Meryl Streep nos oferece em cada cena – o arrebatamento típico de uma adolescente que se enamora pela primeira vez, a sensualidade que ela emana nas cenas que divide com Clint Eastwood, o sofrimento que reflete o seu olhar nas cenas finais, o desespero que a faz quase abrir a porta da carrinha e abandonar o marido – todo essa magia e carga de sentimentos que só esta atriz sabe pôr em cada cena fazem com que a leitura do livro resulte um pouquinho defraudada, já que é impossível não fazer comparações!...

Comparações aparte, As Pontes de Madison County contam-nos uma belíssima história de amor, que se torna impossível porque aparece no momento errado na vida das duas personagens principais. Mas, apesar de aparecer nesse momento errado e de durar apenas 4 dias, não nos consegue de forma alguma deixar indiferente, porque quem não gostaria de viver uma história assim, uma história em que “(…) tínhamos cessado de ser dois seres distintos e que nos tínhamos tornado num terceiro ser formado por nós os dois. Nenhum de nós existia independente desse ser.”?...



Barroco Tropical, de José Eduardo Agualusa

Terça-feira, 03 de setembro de 2013





Sinopse
Uma mulher cai do céu durante uma tempestade tropical. As únicas testemunhas do acontecimento são Bartolomeu Falcato, escritor e cineasta, e a sua amante, Kianda, cantora com uma carreira internacional de grande sucesso. Bartolomeu esforça-se por desvendar o mistério enquanto ao seu redor tudo parece ruir. Depressa compreende que ele será a próxima vítima. Um traficante de armas em busca do poder total, um curandeiro ambicioso, um antigo terrorista das Brigadas Vermelhas, um ex-sapador cego, que esconde a ausência de rosto atrás de uma máscara do Rato Mickey, um jovem pintor autista, um anjo negro (ou a sua sombra) e dezenas de outros personagens cruzam-se com Bartolomeu, entre um crepúsculo e o seguinte, nas ruas de uma cidade em convulsão: Luanda, 2020.


Opinião
Este é o segundo livro que leio de Agualusa, depois da estreia com Milagrário Pessoal e que me deixou rendida à escrita deste escritor angolano. Contudo, tenho que confessar que Barroco Tropical não teve o mesmo impacto que o seu antecessor… A trama é interessante, narra as “tragédias” que assombram a vida de Bartolomeu Falcato, escritor angolano que, em 2020, vive numa Luanda em convulsão e ainda muito afetada pelo seu passado de capital de um país colonial.
A par de Bartolomeu, conhecemos um leque de personagens como uma cantora angolana que se tornou o maior ícone da música mundial, um sujeito que cobre o rosto destruído por uma mina com uma máscara de Mickey, gémeos anões estilistas, um anjo negro, ou seja, personagens que são mais uma evidência do estilo imaginativo e fantástico do autor, que os faz povoar uma Luanda decadente e futurista, onde “convivem” prédios em ruína com arranha-céus que parecem não terminar nunca, com um manicómio no qual se testam técnicas para tratar os doentes mentais e com situações que realçam o quanto a sociedade angolana do futuro (ou do presente?) sofre com a já referida pesada herança colonial e com uma democracia que muito ainda tem que caminhar para provar a si mesma e ao outros que consegue sustentar-se e que se consegue afastar de um regime autoritário e corrupto.
É certo que África e obviamente os países que compõem este continente nunca me fascinaram. Não consigo entender o quanto as suas paisagens, os seus povos, as suas tradições, as suas religiões cativam tantas pessoas, sejam elas portuguesas ou não… Não consigo mesmo. E talvez por isso esta obra de Agualusa não me tenha tocado, não me tenha apaixonado por ela como pensei que me apaixonaria… No entanto, continuo a defender que Agualusa é um belo escritor, que o seu estilo é imaginativo, criativo e muito pessoal e que valerá a pena conhecer mais obras suas. Exemplo dessa minha convicção foi o prazer, o sorriso que me aflorou os lábios e aquele aceno de completo entendimento que senti e se produziram em mim quando li esta passagem:

Há quem confunda a alegria com a felicidade. A alegria não se parece com a felicidade, a não ser na medida em que um mar agitado se parece com um mar plácido. A água é a mesma, apenas isso. A alegria resulta de um entorpecimento do espírito, a felicidade de uma iluminação momentânea. O álcool pode levar-nos à alegria - ou um cigarro de liamba, ou um novo amor - porque nos obscurece temporariamente a inteligência. A alegria pode, pois, ser burra. A felicidade é outra coisa. Não ri às gargalhadas. Não se anuncia com fogo de artifício. Não faz estremecer estádios. Raras são as vezes em que nos apercebemos da felicidade no instante em que somos felizes.