O ano da morte de Ricardo Reis, de José Saramago

Sexta-feira, 21 de dezembro de 2012


RELEITURA

Sinopse
"«Um tempo múltiplo. Labiríntico. As histórias das sociedades humanas. Ricardo Reis chega a Lisboa em finais de Dezembro de 1935. Fica até Setembro de 1936. Uma personagem vinda de uma outra ficção, a da heteronímia de Fernando Pessoa. E um movimento inverso, logo a começar: ""Aqui onde o mar se acaba e a terra principia""; o virar ao contrário o verso de Camões: ""Onde a terra acaba e o mar começa"". Em Camões, o movimento é da terra para o mar; no livro de Saramago temos Ricardo Reis a regressar a Portugal por mar. É substituído o movimento épico da partida. Mais uma vez, a história na escrita de Saramago. E as relações entre a vida e a morte. Ricardo Reis chega a Lisboa em finais de Dezembro e Fernando Pessoa morreu a 30 de Novembro. Ricardo Reis visita-o ao cemitério. Um tempo complexo. O fascismo consolida-se em Portugal.» (Diário de Notícias, 9 de Outubro de 1998)"

Opinião
Como saramaguiana convicta, não é preciso dizer que é sempre uma delícia reler qualquer obra do fenomenal Saramago!
Fernando Pessoa morre a 30 de novembro de 1935. O seu heterónimo Ricardo Reis regressa do Brasil e atraca em Lisboa em finais de dezembro desse mesmo ano. Hospeda-se num modesto hotel. Conhece outros hóspedes. Interessa-se por uma jovem em particular, com um nome peculiar - Marcenda - e que é portadora de um defeito numa das mãos. O seu interesse cresce, mas quem lhe aquece a cama é uma criada do hotel, que, por coincidência, se chama Lídia. Não é parecida com a Lídia das suas odes e talvez por isso, Ricardo Reis nunca considera oficializar a relação que têm - pelo contrário, nem mesmo quando deixa o hotel e arrenda uma casa trata Lídia como sua companheira. Ela apenas "serve" para tratar da lida doméstica e para satisfazer os seus apetites carnais.
Preconceitos à parte (que confesso que me "desiludiram" um pouquinho - mancharam a imagem límpida que tinha deste heterónimo, o meu favorito), esta obra retrata Ricardo Reis como um homem de carne e osso, com qualidades e defeitos e é uma homenagem à sua postura e forma de ver a vida, pois é uma obra caracterizada por muitos momentos de meditação, de fatalismo resignado e de estoicismo.
Ao acompanharmos a vida de Reis nos meses que passa em Lisboa, também acompanhamos, através dos seus olhos, a situação política de Portugal da época, dos primórdios da ditadura salazarista e da sua polícia política, dos bufos e de inspetores que se movem pela sombra, mas não conseguem ocultar a sua presença, como é o caso do inspetor que fede horrivelmente a cebola.
Saramago mostra a sua genialidade na forma como construiu exemplarmente a figura de Ricardo Reis e, não menos importante, no retrato que faz do Portugal dos anos 30, um retrato pintado através do seu olhar crítico e que põe a nu a pequenez, o preconceito, o esgravatar da vida alheia e a denúncia que se faz para limpar a consciência e mostrar cobardemente o amor ao dever e à pátria...

Para finalizar, não resisto - tenho que partilhar uma passagem da obra que ilustra na perfeição o que o meu maridinho diz sobre as mulheres J

"... é preciso dormir com elas, fazer-lhes filhos, mesmo que sejam para desmanchar, é preciso vê-las tristes e alegres, a rir e a chorar, caladas e falando, é preciso olhá-las quando não sabem que estão a ser olhadas, E que veem então os homens hábeis, Um enigma, um quebra-cabeças, um labirinto, uma charada..." 

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